Em sessão ocorrida em 15/12/2020, a Segunda Turma do STJ voltou a analisar o tema do IRF em remessas ao exterior, quando existente tratado contra dupla tributação. Esse julgamento tem suscitado manifestações divergentes no mercado.
Durante muitos anos travou-se embate entre a Receita Federal e os contribuintes a respeito do tema. Os contribuintes sustentavam ser aplicável o art. 7º dos tratados, a respeito de lucros, de modo que apenas o país de residência do favorecido poderia tributar a remessa pela prestação de serviços, mas não o Brasil. Já a Receita afirmava que o dispositivo genérico de “outros rendimentos” seria o adequado, o que permitiria a tributação pelo Estado de origem do pagamento, no caso, o Brasil.
O STJ, há alguns anos, proferiu decisão no sentido de ser equivocado o entendimento da Receita. Por isso, passaram a ser proferidas decisões judiciais aplicando o art. 7º dos tratados, impedindo a tributação pelo Brasil.
Aos poucos, porém, a Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda Nacional passaram a desenvolver outro argumento. Sustentam que vários tratados assinados pelo Brasil contêm regras adicionais, em protocolo, no sentido de a prestação de serviços técnicos e de assistência técnica terem o tratamento de royalties e esses, como regra, podem ser tributados no país de origem dos rendimentos (no caso, o Brasil).
Essa linha de defesa foi aceita em precedentes recentes do TRF da 3ª Região (p. ex.: Ap. Cível nº 0004819-10.2014.4.03.6130, Ap./Reex. Nec. nº 5023086-93.2018.4.03.6100 e Emb. de Decl. em Ap./Rem. Nec. nº 0024442-10.2001.4.03.6100/SP).
O recente julgamento do STJ (REsp nº 1.759.081, relatado pelo Min. Mauro Campbell Marques) não chegou a firmar entendimento de mérito. Embora tenha sido dado provimento ao recurso interposto pela Fazenda Nacional, isso foi feito para determinar o retorno dos autos ao TRF para nova análise. Todavia, a decisão então recorrida havia sido no sentido de aplicar o art. 7º do tratado com a Espanha e, com isso, afastar a imposição do IRF. Para a Segunda Turma do STJ essa decisão foi incorreta. Seria necessário avaliar, justamente, se não seria aplicável à hipótese concreta o artigo sobre royalties, tendo em vista regra contida no protocolo que ampliou este conceito para alcançar qualquer espécie de pagamento recebido em razão da prestação de assistência técnica e de serviços técnicos. O STJ também impôs a análise de eventual aplicação do artigo sobre profissões independentes.
Com isso, a nosso ver, ao menos o voto do Min. Relator Mauro Campbell foi no sentido de afastar o art. 7º dos tratados no caso de remessas ao exterior pelo pagamento de serviços técnicos, quando há regra em protocolo determinando a utilização do artigo sobre royalties. Ao acolher essa linha de interpretação dos tratados, o entendimento do Min. Relator viabiliza a tributação via IRF pelo Brasil.
Em nossa avaliação, o tema permanece aberto. Primeiro, o julgamento é manifestação ainda isolada e apenas da Segunda Turma. Segundo, pensamos que os tribunais devem examinar este ponto a partir da interpretação histórica e sistemática dos tratados, mesmo na presença de regra especial em protocolo. A previsão de tributação, como royalties, sobre as remessas por serviços técnicos é adequada quando há transferência de tecnologia. Todavia, quando esta inexiste, a simples inclusão de qualquer prestação de serviço como royalties afastaria a aplicabilidade do art. 7º, sobre lucros, para prestações de serviço, de modo a aceitar um possível ônus tributário duplo, que os tratados visam afastar.
O tema, assim, permanece aberto, mas passou a demandar maior atenção dos contribuintes, após esse precedente da Segunda Turma do STJ.