Os pagamentos sobre a folha de salários e as contribuições previdenciárias incidentes nunca estiveram tão em evidência, talvez pelo fato de que, atualmente, a folha-de-salários pode impactar até 30% do valor da receita de uma empresa, a depender de seu segmento (serviço, comercio, indústria ou tecnologia).Somado a isso, no ano de 2019, houve a plena consolidação da Reforma Trabalhista, ocorrida no ano de 2017, por meio da Lei nº 13.467 e a realização da tão aguardada Reforma da Previdência.E o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o CARF, também teve um papel importante ao julgar diversas celeumas – sempre contemporâneas – da área previdenciária, as quais passaremos a pontuar.Registre-se que logo no mês de fevereiro de 2019, o CARF manteve, por maioria de votos, a cobrança de contribuições previdenciárias superiores a R$ 200 milhões contra a Rede Globo, ao descaracterizar os contratos firmados no período de abril a dezembro de 2010, com pessoas jurídicas.
No acórdão nº 2402-006.976, a 4ª Câmara da 2ª Turma Ordinária entendeu que a contratação das pessoas jurídicas, na verdade, gozava de características de relação de emprego.Mediante a análise detida daqueles contratos firmados, restaram comprovadas a pessoalidade, a não eventualidade, a subordinação e a onerosidade.A contribuição previdenciária sobre o auxilio educação pago em forma de cursos de nível superior a empregados e dirigentes também foi objeto de pauta no CARF. No acórdão de nº 9202.007.675, no mês de fevereiro de 2019, a 2ª Turma exonerou a incidência das contribuições previdenciárias sobre o auxílio educação direcionado a cursos oferecidos em nível de educação superior.
Para o CARF, a qualificação e capacitação profissional não devem se restringir a cursos oferecidos em nível de educação básica.Também em fevereiro de 2019, a Câmara Superior do CARF isentou uma empresa a pagar contribuições previdenciárias sobre bônus de contratação. Naquele caso, no acórdão nº 2402-007.6160, a 2ª Seção de Julgamento da 4ª Câmara da 2ª Turma Ordinária do CARF afastou a incidência das contribuições previdenciárias sobre valores pagos a título de hiring bonus, eis que, naquele caso fático, não teria ficado comprovada a caracterização de “complementação de remuneração”, vez que o pagamento foi realizado antes mesmo da relação trabalhista entre as partes se iniciar e pelo fato de que tal pagamento teria natureza indenizatória.Com relação aos pagamentos relativos à participação nos lucros e resultados, a PLR, em fevereiro de 2019, a Câmara Superior do CARF, no acórdão nº 2301-005.790, decidiu pela incidência das contribuições previdenciárias sobre a PLR paga sem a observância da periodicidade mínima, ou seja, inferior a um semestre civil, ou mais de duas vezes no mesmo ano civil.
A Câmara entendeu que pagamentos realizados sem respeitar a periodicidade mínima devem ser considerados como complementação salarial.Ainda com relação à PLR, em outubro de 2019, a 4º Câmara da 2ª Turma Ordinária por meio do acórdão nº 2402-007.624, manteve a incidência das contribuições previdenciárias.Naquele julgado, entendeu a Turma que os pagamentos realizados pela empresa de março de 2003 a março de 2008, estariam em desacordo com a Lei nº 10.101/2000 pois da leitura de todos os acordos coletivos constatou-se não haver a participação dos empregados na determinação das metas a serem atingidas.No mês de março de 2019, por meio do acórdão nº 2301005.193, a 1ª Turma Ordinária afastou a incidência das contribuições previdenciárias sobre o Vale-Transporte pago pela empresa. A fiscalização havia descaracterizado a isenção diante da inexistência da realização do desconto de 6% previsto na legislação por parte da empresa, contudo, o CARF entendeu que “a ausência de desconto ou o desconto menor do que o autorizado não implicam descaracterização do benefício”.
No mês de julho de 2019, a Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, por meio do acórdão nº 2401-004.917 decidiu que “o contrato de locação de veículo firmado entre empregador e empregado para que este utilize o veículo de sua propriedade na realização dos serviços para o qual fora contratado, desde que celebrado dentro das regras de direito civil, devidamente formalizado, a valor de mercado, por liberalidade das partes, não configura salário indireto para fins de incidência da contribuição previdenciária”.
Ainda sobre a utilização de veículos para o trabalho, no mesmo mês de julho de 2019, no acórdão nº 9202-008.014, o CARF decidiu pela não incidência das contribuições previdenciárias sobre valores pagos para abastecimento de veículos, via cartão especifico.O suposto “salário indireto” denominado pela fiscalização foi afastado diante da apresentação pela empresa de um conjunto probatório robusto, contendo a rota individual de cada trabalhador nos trabalhos externos e o consumo do veículo. Em 2019 as operações de Stock Option mereceram destaque na mídia, diante do julgamento realizado pelo CARF. Sabe-se que o tema não é novidade , de forma que, para fins isentivos, o CARF analisa existência de fatores determinantes para configuração de natureza mercantil nas operações de opções de compra de ações tais como: liberalidade de adesão, onerosidade, existência de risco de mercado, inexistência de habitualidade e inexistência de metas vinculadas, contudo, em 2019, mesmo sem cumprir os sobreditos parâmetros, um plano de Stock Option, de natureza salarial, realizado nos anos de 2007 a 2009, foi exonerado da incidência das contribuições previdenciárias pelo CARF.
Por meio do acórdão 2401-0005.990, a 4º Câmara da 1ª Turma Ordinária, por unanimidade, anulou a cobrança sobre os planos de opções de compra de ações ao entender que a autoridade fiscal não teria comprovado o efetivo exercício do direito de ações. A autoridade fiscal apontou que o fato gerador das contribuições previdenciárias incidências sobre a outorga das opções de compra de ações seria “a data do vencimento do seu respectivo prazo de carência” e o CARF entendeu como equivocado tal lançamento, tratando-se de erro essencial na constituição do lançamento. Ao exonerar a empresa da exação, o CARF pactuou ser o fato gerador das contribuições previdenciárias sobre a outorga das opções de compra de ações “o exercício das opções de compra das ações, pois configurada a remuneração sob a forma de utilidade, a partir do qual o beneficiário pode fruir as vantagens advindas da aquisição do ativo financeiro”. Por sua vez, a previdência complementar foi objeto de importantes análises pelo CARF no ano de 2019.
No julgamento do acórdão nº 2201-0005.534, em outubro de 2019, a 2ª Seção de Julgamento / da 2ª Câmara da 1ª Turma Ordinária do CARF manteve a incidência das contribuições sobre o pleno de previdência privada. Na oportunidade, foram apuradas características que desvirtuaram a natureza daquele plano de previdência, como a previsão de possibilidade de resgate, o que não atende o caráter da reserva dos planos de previdência e o fato dos aportes estarem vinculados a um sistema de avaliação dos colaboradores, o que aproxima tais pagamentos muito mais a uma espécie de bônus ou gratificação do que de um plano de previdência privada, portanto, passível de tributação.
Num outro acórdão de nº 220-004.823, que analisou o mesmo tema – planos de previdência privada – também proferido no ano de 2019 foi apurada a descaracterização do plano de previdência oferecido pela empresa.A fiscalização exigiu contribuições previdenciárias sobre os valores pagos, sob o fundamentos de que o disposto na Lei da Previdência (alínea “p” do § 9º do artigo 28 da Lei nº 8.212/91) teria sido violado, na medida do plano não ser extensível ao todos os empregados, em especial para aqueles empregados com remuneração inferior ao limite do RGPS.
A 2ª Câmara da 2ª Turma Ordinária do CARF, por sua vez, evocou o entendimento de 2012, proferido pela 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, no acórdão nº 920.202.265, para afastar a tributação sob o fundamento de que ”a finalidade precípua da previdência complementar é a de complementar os benefícios de aposentadoria daqueles que auferem remuneração superior ao limite imposto para o RGPS.”Ainda no mesmo acórdão – que analisou lançamentos realizados no ano de 2005, portanto, antes das Reformas Trabalhista e Previdenciária – foram analisados os pagamentos realizados de assistência médica e odontológica dos empregados e aqueles destinados aos dependentes. A fiscalização pautou a cobrança no fato de que os planos não eram idênticos e o CARF afastou a exigência ponderando que a própria lei prevê apenas a universalidade e não a homogeneidade. Já com relação aos planos de assistência médica e odontológica destinados aos dependentes, entendeu o CARF tratar-se de salário utilidade, portanto, passível de tributação, na medida em que os empregados acabam por propiciar aos seus dependentes o benefício de usufruírem de um plano de saúde sem que tenham que desembolsar os valores das mensalidades dos planos.Estas são nossas considerações com o fito de rememorar o leitor sobre julgamentos realizados pelas Câmaras e Seção Superior de Julgamento do CARF no ano de 2019 na seara previdenciária.
Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli, Jimir Doniak Junior e Cristina Caltacci Bartolassi.