Como todos sabem, entre outras medidas do final do ano de 2022, foi publicada a Instrução Normativa – RFB nº 2.121/2022, que funciona como um Regulamento do PIS/COFINS. Em seus mais de 800 artigos há algumas irregularidades cometidas pela Receita Federal, que prejudicam os contribuintes e que são passíveis de questionamento.
Como vários contribuintes continuam a nos questionar a respeito, entendemos conveniente fazer considerações adicionais sobre algumas dessas irregularidades.
Art.160 e a aparente tentativa de alterar a sistemática de não-cumulatividade do PIS/COFINS
O art. 160 prevê que não darão direito de crédito do PIS/COFINS os valores de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento do PIS/COFINS. Já as regras das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003 (art. 3º, I, II e § 2º, II) determinam que bem ou serviço não tributado não dá direito de crédito.
A Receita Federal parece pretender restringir o direito de crédito, de modo a só aceitar a parcela do valor do bem ou direito que tenha sido tributado. De maneira discreta, seria uma alteração da sistemática de não-cumulatividade de base-contra-base para tributo-contra-tributo. Por certo, isso não pode ser realizado por meio de uma instrução normativa.
Art. 170, direito de crédito e IPI
O art. 170, inc. II, confirma a impressão trazida no item anterior. Ele estatui que as parcelas do valor de aquisição dos itens não sujeitas ao pagamento do PIS/COFINS não geram direito de crédito, tais como o IPI incidente na venda do bem pelo fornecedor.
Trata-se de regra distinta daquela prevista na IN anterior (nº 1.911/2019, art. 167), segundo a qual integrava o valor de aquisição, para efeitos do cálculo dos créditos, o IPI incidente na aquisição, quando não recuperável. A lógica contida na IN anterior (e melhor explicada na Solução de Consulta COSIT nº 579/2017) era que o IPI recuperável não participava do custo da mercadoria. Assim, quando um industrial adquiria um insumo tributável pelo IPI, era como se ele estivesse adquirindo dois bens: o próprio insumo e o IPI recuperável quando esse industrial desse saída ao seu próprio produto. O IPI recuperável, então, não compunha o valor/custo do insumo adquirido e por isso não gerava crédito de PIS/COFINS. Não é assim, porém, no caso de aquisição de um produto industrializado e tributável pelo IPI por um comerciante não contribuinte do IPI. Nesse caso, o “IPI não recuperável integra o valor de aquisição de bens para efeito de cálculo do crédito da Cofins na sistemática não cumulativa“ (segundo a própria Receita Federal na SC COSIT mencionada).
Sem qualquer alteração de cunho legal, a Receita pretende alterar o entendimento até então adotado por ela e, pior, guiando-se por uma irregular alteração na própria sistemática da não-cumulatividade do PIS/COFINS, de base-contra-base para tributo-contra-tributo. Pode-se até pensar que essa segunda sistemática seria preferível. Todavia, é inadmissível pretender impor tal modificação por meio de uma IN.
Embora o tratamento dado ao IPI seja novidade, trata-se de tema semelhante à discussão a respeito de se creditar do ICMS-Substituição (mencionado no inc. I do mesmo art. 170 da IN) e que se desenrola nos tribunais.
Art. 176 e lista de insumos
Nesta parte, a IN-RFB 2.121/202 lista exemplos do se considera insumos e do que não se considera insumos. Há progressos, como a admissão expressa do direito ao crédito no caso de insumo de insumo.
Comentário que convém ser retomado aqui é a respeito do insumo consistente na compra de serviço por uma empresa, para viabilizar a prestação de serviço por esta. Mais especificamente, o insumo consistente em serviços de publicidade e marketing.
Como já nos manifestamos anteriormente, os serviços de publicidade e marketing que conquistam os clientes são anteriores às mais variadas prestações de serviço, de hotelaria a serviços de transporte, de saúde e hospitalares a educacionais. Assim é porque com a publicidade e marketing conquista-se o cliente, que viabiliza a própria prestação de serviços. Sem clientes não há prestação de serviços.
A atividade de prestação de serviços é, neste aspecto, distinta da atividade de produção de bens. Para essa, o serviço de publicidade e marketing não viabiliza (ontologicamente mesmo) a produção de bens. Já na atividade de prestação de serviços, o serviço de publicidade e marketing caracteriza-se como insumo, pois é ele que (presumidamente) conquista o cliente, com o qual é viabilizada (ontologicamente mesmo) a prestação de serviços.
Por essas razões, somos de opinião que os serviços de publicidade e marketing se caracterizam como insumos geradores de crédito para as atividades de prestação de serviços. A nosso ver, esse aspecto do tema ainda não foi bem enfrentado pela jurisprudência.
Art. 177 e a não caracterização como insumo por bens ou serviços obrigatórios decorrentes de acordos ou convenções coletivas de trabalho
O art. 177 da nova IN dispõe que também se consideram insumos os bens ou os serviços especificamente exigidos por norma legal ou infralegal para viabilizar as atividades de produção de bens ou de prestação de serviços. No entanto, o parágrafo único restringe esse tratamento para afastar o direito de crédito de PIS/COFINS “(…) nas hipóteses em que a exigência dos bens ou dos serviços decorrem de celebração de acordos ou convenções coletivas de trabalho”.
Nossa opinião é que Receita Federal andou mal nessa restrição.
Os acordos ou convenções coletivas de trabalho são, também, obrigatórios às empresas. É o que se infere da CLT, art. 611, quando estabelece que a convenção é o acordo de caráter normativo, e no art. 611-A (acrescentado pela Lei nº 13.467/2017 – a reforma trabalhista), quando estatui que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando dispuser sobre variados assuntos. Vale lembrar que o STF respaldou esse tratamento, desde que respeitados direitos absolutamente indisponíveis (ARE nº 1.121.633).
A Receita Federal talvez tenha pensado que a empresa teria concordado com o acordo ou convenção, de modo que os gastos dele decorrentes seriam como liberalidades e não exigências, não sendo essenciais ou relevantes. O equívoco é claro.
A exigência deve ser aferida em função das regras que a empresa deve seguir. O acordo ou convenção coletiva passa a ser uma regra impositiva para a empresa a partir do momento em que esse acordo ou convenção foi aprovado. Pouco importa a anterior concordância da empresa, assim como também pouco importa a decisão da empresa em contratar a aquisição de um tipo de produto e não de outro, eventualmente mais barato, que servirá de insumo. A Receita Federal não é censora das decisões empresariais da pessoa jurídica, seja para avaliar se poderia ter sido utilizado um insumo mais barato, seja para avaliar se gastos com seus funcionários impostos por acordo ou convenção coletivo poderia ter sido evitado. Importa apenas que, a partir do momento do ingresso no mundo jurídico do acordo ou convenção coletiva, os gastos nele previstos se tornam exigências com força jurídica semelhante a lei.
Logo, esses gastos devem ser considerados insumos e impõe-se o direito de crédito.
Enfim, a Advocacia Lunardelli entende que, em relação a esses pontos, a IN-RFB nº 2.121/2022 incidiu em irregularidades, tendo contrariado normas legais ou inovado de forma inaugural no ordenamento jurídico. As empresas que se sentirem incomodadas poderão acionar o Judiciário em busca de proteção e para afastar o aumento de custo tributário decorrente da IN.
Permanecemos à disposição para maiores esclarecimentos.
Jimir Doniak Júnior
Sócio – Tributos Diretos