ICMS – Glosa de créditos nas operações com a Zona Franca de Manaus – Crítica à decisão do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo

12 de abril de 2023

Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli

Advogado, Mestre e Doutor pela PUC/SP

Sem norma, um fato não adquire qualificação de fato jurídico. E sem fato jurídico, efeito (eficácia) nenhum advém”. Lourival Vilanova

O objetivo deste artigo é iniciar os debates sobre os fundamentos adotados pela Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo – TIT/SP quando, em sessão temática de 24/03/2022, julgou a possibilidade de a Fazenda do Estado glosar créditos do ICMS de contribuintes paulistas, decorrentes de operações promovidas por estabelecimentos sediados na região da Zona Franca de Manaus – ZFM.

Tomaremos como suporte os fundamentos apresentados no Acórdão nº DRT 03 – 4039329-0/2014 que examinou o caso do crédito estímulo concedido pelo Estado do Amazonas.

Os fundamentos adotados são assim resumidos:

  • Sobre a recepção ou não do art. 15 da LCP nº 24 de 1975 pela Carta de 1988; e
  • Sobre a vedação de manutenção dos créditos pelo estabelecimento paulista nos termos da alínea “b” do inciso II do §2º do art. 155 da CF/1988, dado que o benefício fiscal amazonense geraria um campo de não incidência do ICMS.

Quanto ao primeiro fundamento, o voto condutor reconheceu a recepção do art. 15 da LCP nº 24/1975 não obstante também tenha admitido que não seria suficiente para sustentar a manutenção dos créditos, haja vista que a respectiva glosa estaria lastreada no aludido dispositivo que trata das operações submetidas ao regime da não incidência do ICMS.

Para sustentar a não incidência o acórdão desenvolveu a seguinte argumentação:

“28. Entendendo incidência tributária como coincidência de linguagem, temos que a não incidência resta presente quando impraticável tal coincidência.

29. O montante devido a título de tributo é resultado de incidência tributária, onde o fato (fato gerador) resta coincidente com a hipótese normativa correlata (verificação da subsunção), determinando coincidência linguística suficiente à qualificação de tal fato como jurídico, com a consequência determinada pela lei: o surgimento da relação jurídica obrigacional.

30. O efeito jurídico da concessão de benefícios creditícios é exatamente o oposto, pois, temos que o efeito de tal concessão é a de não incidência tributária, já que seu critério temporal é a saída interestadual de mercadorias e seu único objetivo é o abatimento no montante devido (resultado de incidência tributária) de determinado valor a título de benefício.

31. A natureza jurídica deste crédito é diverso do crédito advindo da não cumulatividade; este dá-se por entrada de mercadorias aliada a montante cobrado em operação anterior; o crédito concedido pela lei amazonense é incentivo financeiro atribuído na saída de mercadorias do Amazonas, com o único objetivo de abater do montante devido um tanto incentivado não devido.

32. Se a finalidade do benefício é redutor de montante devido (resultado de incidência tributária), temos que seu perfil é diferencial, pois de valor incidente retira-se um montante não incidente: exatamente o valor fruto do benefício fiscal concedido, seja ele suportado por convênio autorizativo ou não.

33. Assim, o resultado da concessão de incentivos fiscais (regulares ou não) é uma não incidência tributária.

34. Esta a relação entre a não cumulatividade e o benefício fiscal concedido no Estado do Amazonas.

35. Vemos no dispositivo constitucional do art. 155, §2º, II que, salvo disposição em contrário da legislação, a não incidência provoca a impossibilidade do recebedor da mercadoria com tal ausência incidental de se creditar de qualquer valor, pois se não há montante devido no remetente (resultado de não incidência tributária), não haverá montante cobrado em anterior operação na ótica do adquirente da mercadoria.

36. E sem montante cobrado fica obstado o ato do adquirente da mercadoria de creditar-se, conforme interpretação do artigo 155, §2º, I da CF/88.

37. Portanto, a regra geral constitucional é a de que, uma vez concedido e utilizado benefício ou incentivo fiscal por parte de remetente de mercadoria, cria-se obstáculo ao crédito por parte do adquirente.”

Adentrando em tais premissas vê-se a adoção da doutrina do Ilustre Catedrático Paulo de Barros Carvalho. Assim, se desejamos criticar tal argumentação devemos seguir esta linha de pensamento.

Para tanto, vejamos como atua o benefício fiscal amazonense denominado crédito estímulo, previsto no art. 12-A[1] da Lei Ordinária do Estado do Amazonas nº 2.826/03.

Nota-se que o crédito é dado para ser computado no regime de compensação (conta gráfica) do contribuinte amazonense. Logo, admitindo-se determinada cronologia para a fruição deste benefício fiscal teremos:

  • A operação interestadual praticada entre contribuintes amazonense e paulista[2];
  • O destaque (débito) do ICMS no documento fiscal emitido pelo contribuinte amazonense;
  • A apuração do total dos débitos destacados pelo contribuinte amazonense;
  • A aplicação do percentual do crédito estímulo sobre os débitos apurados pelo contribuinte amazonense, para apuração do valor do crédito estímulo;
  • O registro do valor deste crédito estímulo na conta gráfica do contribuinte amazonense a título de “outros créditos”;
  • A apuração do saldo devedor ou saldo credor deste contribuinte amazonense; e
  • Na hipótese de haver saldo devedor o recolhimento do respectivo montante aos cofres públicos do Amazonas.

Acatando-se a premissa do acórdão, a incidência nada mais seria do que a coincidência entre linguagens. Ou seja, se incidência é a coincidência entre as linguagens da norma e do fato, tal coincidência somente se verifica na medida em que os atributos ou propriedades da linguagem da norma sejam identificados na linguagem dos respectivos fatos jurídicos.

Portanto, a incidência é a existência de coincidência destes respectivos atributos manifestados nas linguagens da norma e do fato jurídico.

Via de consequência, haveremos de aceitar que a não incidência qualifica-se pela inexistência de coincidência entre tais atributos das referidas linguagens da norma e do fato.

Mas quais seriam estes atributos? Para facilitar o escopo deste artigo iremos nos ater aos principais que versam sobre a hipótese de incidência tributária que são os critérios (i) material (ii) espacial (iii) temporal (iv) pessoal e (v) quantitativo. Isto porque o fundamento do referido acórdão do TIT/SP sustentou que a concessão do crédito estímulo de ICMS provocaria a não incidência da regra matriz deste imposto no Estado do Amazonas, o que impossibilitaria a manutenção dos respectivos créditos pelo estabelecimento paulista.

Considerando estas premissas precisamos agora analisar se a concessão daquele crédito estímulo provocaria ou não a alegada não incidência da regra matriz do ICMS do Estado do Amazonas.

Primeiro ponto a considerar é que os créditos utilizados no âmbito do regime de não cumulatividade em nada interferem na fenomenologia da regra matriz de incidência.

Na realidade são duas as regras matrizes que regem os fenômenos da incidência tributária e o da não cumulatividade. Isto, aliás, é muito bem elucidado pelo Ilustre Mestre Paulo de Barros de Carvalho[3] nas linhas a seguir reproduzidas:

“Estão aí presentes, portanto, dois momentos distintos, duas situações diversas que dão origem a duas consequências diferentes: dois antecedentes e dois consequentes, ou seja, duas normas jurídicas, incidindo sobre fatos jurídicos independentes (embora participantes de uma mesma cadeira de circulação de mercadoria) e impondo comportamentos específicos no seio das relações jurídicas igualmente distintas.

Analisando a fenomenologia da não-cumulatividade, verifica-se que o direito ao crédito do sujeito adquirente provém de norma jurídica instituidora do direito ao crédito, que denominados “regra matriz do direito ao crédito”. Sua incidência implica uma relação jurídica que tem como sujeito ativo o adquirente/destinatário de mercadorias, detentor do direito ao crédito do imposto, e como sujeito passivo o Estado.

Se voltarmos nossas atenções mais uma vez à regra matriz de incidência do ICMS, facilmente perceberemos que lá não se instala o direito subjetivo do contribuinte ao crédito do imposto. Tratamos ali apenas da relação jurídica formada entre o sujeito passivo/contribuinte e o sujeito ativo/Estado, no qual o primeiro está obrigado a pagar ao segundo certo valor, a título de ICMS, calculado a partir da conjunção da alíquota com a base de cálculo (critério quantitativo), correspondendo esta última ao valor da operação de circulação de mercadoria.”

Esta abordagem teórica, aliás, já vem sendo reconhecida pelos tribunais superiores, como serve de exemplo o acórdão do STJ ao julgar o RESP nº º 773.675/RS (DJU de 02/04/2007 – 1ª Turma), do fazemos transcrição parcial da sua ementa

“(…)

1. O direito de crédito do contribuinte não decorre da regra-matriz de incidência tributária do ICMS, mas da eficácia legal da norma constitucional que prevê o próprio direito ao abatimento (regra-matriz de direito ao crédito), formalizando-se com os atos praticados pelo contribuinte (norma individual e concreta) e homologados tácita ou expressamente pela autoridade fiscal. Essa norma constitucional é autônoma em relação à regra-matriz de incidência tributária, razão pela qual o direito ao crédito nada tem a ver com o pagamento do tributo devido na operação anterior.”

Ainda que isto não bastasse para compreendermos tais fenômenos, ajuda-nos a previsão normativa da concessão do crédito estímulo do Estado do Amazonas.

Conforme vimos na lei que o concede, o crédito estímulo é calculado com base no ICMS destacado nos documentos fiscais emitidos pelo contribuinte amazonense; logo, o destaque do ICMS na operação interestadual é o fato gerador da relação jurídica atinente ao crédito estímulo que será computado juntamente com os demais créditos deste imposto na conta gráfica do contribuinte amazonense; vale dizer, o crédito estímulo será computado como “outros créditos” na conta gráfica que retrata o aludido regime de não cumulatividade.

Por não se originar de operações anteriores praticadas pelo respectivo contribuinte amazonense, sua natureza jurídica é de crédito presumido. A presunção, portanto, advém do fato de ser concedido por aquela lei e não decorrer diretamente das operações anteriores praticadas pelo contribuinte amazonense.

Pois bem, se por um lado tem esta natureza de crédito presumido, por outro vê-se que ele não provoca qualquer efeito direto sobre o fenômeno da incidência da regra matriz de incidência do ICMS/AM. Isto porque os referidos critérios que demarcam a regra matriz de incidência são normalmente materializados e, assim, dão ensejo tanto ao fato gerador deste imposto, quanto a respectiva relação jurídica dele decorrente.

Frise-se, o crédito estímulo não interfere em nada nos critérios da hipótese de incidência da regra matriz do ICMS amazonense porque haverá a concretização:

  • do critério material: realização de operações interestaduais de circulação de mercadorias;
  • do critério temporal: na data da realização destas operações;
  • do critério territorial: no Estado do Amazonas;
  • do critério subjetivo: sujeito ativo: Estado do Amazonas; sujeito passivo: contribuinte amazonense;
  • do critério quantitativo: alíquota interestadual de 12%; base de cálculo: valor da operação interestadual.

Nota-se o equívoco no argumento do acórdão do TIT/SP ao afirmar que a concessão de tal crédito estímulo promoveria um campo de não incidência da regra matriz do ICMS, impeditivo da apropriação dos respectivos créditos pelo estabelecimento paulista. Isto talvez tenha ocorrido pelo igual equívoco de normalmente confundirem-se as regras matrizes do ICMS e a da não cumulatividade.

Como o crédito estímulo produz efeitos exclusivamente no âmbito da regra matriz da não cumulatividade do contribuinte amazonense, autorizando-o a inserir na totalização dos seus créditos o valor correspondente àquele crédito estímulo, trata-se mesmo de uma ficção jurídica – crédito de natureza presumida – porque não se origina da prática de anteriores operações sujeitas à incidência do ICMS, mas sim da prática de operações do próprio contribuinte beneficiário do incentivo.

Nada tem a ver, portanto, com a não incidência da regra matriz do ICMS do Amazonas. Pelo contrário é justamente a incidência desta regra matriz do ICMS/AM que dá ensejo à regra matriz do crédito estímulo.

Ora, se este crédito foi computado pelo contribuinte amazonense em sua conta gráfica é porque ele é consequência de norma que incidiu; é efeito da incidência da norma prevista no citado art. 12-A da Lei do Estado do Amazonas nº 2.826/03.

Da mesma forma, se a Fazenda do Estado de São Paulo glosa os créditos apropriados pelo estabelecimento paulista, significa dizer que houve a incidência da regra matriz do ICMS/AM (relativa à operação interestadual), dando ensejo à relação jurídica do crédito tributário (art. 139, CTN) que tem por objeto o dever de o contribuinte do Amazonas levar dinheiro aos cofres públicos a título de ICMS.

E é também esta mesma relação de crédito tributário que dá ensejo à relação jurídica de crédito de ICMS apropriado pelo estabelecimento paulista e que foi objeto da glosa pela respectiva autoridade fazendária. O fenômeno da relatividade das relações jurídicas é explicado por Lourival Vilanova[4].

Logo, contrariamente ao sustentado pelo acórdão, houve a respectiva incidência da regra matriz do ICMS/AM. Assim como, pela perspectiva do contribuinte paulista, também houve a incidência da regra matriz da não cumulatividade que lhe permitiu inserir na sua respectiva conta gráfica do ICMS o crédito deste imposto decorrente das operações interestaduais praticadas com aquele contribuinte amazonense.

Vê-se, assim, que é equivocada a abordagem efetuada pelo acórdão.

O problema central não está nesta errônea alegação de que haveria a não incidência da regra matriz do ICMS do Estado do Amazonas.

Isto porque, como visto (i) quer na regra matriz deste imposto (operação interestadual do ICMS/AM), (ii) quer na regra matriz concessiva do crédito estímulo, (iii) quer na regra matriz da não cumulatividade que rege a apropriação de créditos, inclusive o estímulo pelo estabelecimento amazonense, (iv) quer na regra matriz da não cumulatividade que rege a apropriação de créditos pelo contribuinte paulista, houve, em todas elas, o fenômeno da incidência porque juridicizam fatos que dão ensejo aos respectivos efeitos nela prescritos.

E a prova cabal é a própria glosa dos créditos julgados naquele Acórdão nº DRT 03 – 4039329-0/2014. Isto porque não se glosa ou se anula aquilo que é desprovido de efeitos.

É novamente Lourival Vilanova[5] que arremata a argumentação: “Sem norma, um fato não adquire qualificação de fato jurídico. E sem fato jurídico, efeito (eficácia) nenhum advém”.

Portanto, o problema não pode ser tratado pela perspectiva da não incidência e tão pouco do alegado suporte constitucional contido no inciso II do §2º do art. 155 da CF de 1988. Pelo menos de forma exclusiva como feito no acórdão em questão.

Pelo contrário, é dentro do regime de incidência de várias normas de nível constitucional e infraconstitucional que deveremos levar adiante a controvérsia relativa à possibilidade ou não de o Estado de São Paulo glosar os créditos de ICMS originários de operações interestaduais com a ZFM. Uma delas a própria exceção contida na parte final do inciso II do §2º do art. 155 da CF/88, que versa sobre a manutenção de créditos nas hipóteses de operações submetidas ao regime de isenção ou não incidência do ICMS.

Vejamos então quais são estas normas, com especial foco naquelas destinadas às operações com a ZFM.

No nível constitucional é relevante ter-se em conta as alíneas “c” e “g” do inciso XII do aludido §2º do art. 155 da CF/88 que atribuem competência para a lei complementar (i) tratar sobre o regime de compensação do ICMS e (ii) da forma como os Estados e o Distrito Federal regularão a concessão de incentivos fiscais, bem como dos arts. 92 e 92-A do ADCT, que se destinam (iii) a dar recepção constitucional ao aparato normativo relacionado aos incentivos da Zona Franca de Manaus – ZFM, garantindo-lhes vigência até o ano de 2073.

Quanto à possibilidade de lei complementar desempenhar estes papeis não restam dúvidas, sequer na jurisprudência[6], de que isto decorre do fato de o legislador constituinte atribuir-lhe funções de lei nacional que, neste aspecto, limita a atuação legiferante dos Estados e do Distrito Federal autorizada no §3º do art. 24 da Carta de 1988. Fenômeno idêntico se dá com o Código Tributário Nacional – CTN[7], no tocante ao previsto no respectivo art. 146 da CF/1988.

Pois bem, acatando esta premissa de que, em determinados cenários expressamente autorizados pela CF de 1988, as leis complementares assumem o caráter de lei nacional, não se lhe opondo a legislação interna estadual e distrital, sobressai a análise dos seguintes dispositivos do CTN e da LCP nº 24/1975.

Quanto ao CTN destacamos o art. 102 cuja redação é a seguinte:

“Art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela União.”

Tem-se aqui claro dispositivo de vigência extraterritorial, atribuindo aos Estados e ao Distrito Federal o poder de dispor que suas normas produzam efeitos sobre terceiros não sediados em seus territórios. Note-se também que tal extraterritorialidade pode ser prescrita por lei editada pela União Federal.

Ou seja, lei da União Federal que desempenhe o referido papel de lei nacional.

É dentro deste contexto e com esta típica característica que se apresenta a norma derivada do art. 15[8] da mencionada LCP nº 24/1975.

Esta lei complementar inegavelmente trata de matéria de interesse nacional, na medida em que estabelece regras que deverão ser respeitadas por todos os Estados e o Distrito Federal quando tratarem de benefícios fiscais do ICMS.

Mas esta lei também estabelece a exceção para aqueles benefícios da ZFM, como é o caso do crédito estímulo. A exceção contemplada neste art. 15 é taxativa no sentido de que a edição de convênio não é necessária para os incentivos daquela região. Além disto, exercendo aqui seu papel nitidamente de lei nacional, a parte final deste art. 15 proclama que os Estados e o Distrito Federal estão proibidos de determinar a “exclusão de incentivo fiscal, prêmio ou estímulo concedido pelo Estado do Amazonas.”

Embora a sua redação não seja muito clara sobre a forma como tal vedação se realizará, impossível negar que se trata de proibição expressamente direcionada aos Estados e ao Distrito Federal. Logo, o que cabe ao hermeneuta não é perquirir sobre a existência ou não desta vedação, mas sim como ela se torna eficaz.

A eficácia desta proibição se manifesta quando observamos a referida distinção entre as regras matrizes do ICMS, da concessão do crédito estímulo e da não cumulatividade.

Como já demonstrado, a regra matriz da não cumulatividade autoriza o contribuinte amazonense a lançar em sua conta gráfica o aludido crédito estímulo; assim como é regra matriz de mesma natureza que outorga ao contribuinte paulista o direito de lançar em sua conta gráfica o crédito do ICMS originado das operações praticadas com o contribuinte amazonense, este submetido à incidência da regra matriz do ICMS do Amazonas.

Ocorre que, quando há benefícios fiscais de ICMS sem a observância do prescrito na LCP nº 24/1975, prevê seu art. 8º[9] (i) a nulidade do crédito na escrita fiscal do estabelecimento destinatário da operação e (ii) a exigibilidade do ICMS não pago por força da concessão de tais benefícios fiscais.

Portanto, na hipótese de benefícios fiscais concedidos sem a observância destas regras da LCP nº 24/1975, o contribuinte destinatário da operação não poderá lançar os respectivos créditos na sua conta gráfica (está vedado lançar crédito na regra matriz da não cumulatividade). Além disto, o eventual imposto não pago pelo contribuinte remetente e beneficiário do incentivo fiscal deverá ser exigido pelo respectivo Estado credor.

Frise-se que esta nulidade ou a vedação para apropriar créditos decorre de determinação de lei nacional, demonstrando, assim, o referido poder heterônomo outorgado pelo legislador constituinte à LCP n° 24/1975.

Mas é também este mesmo poder heterônomo que estabelece outra vedação, agora prevista no art. 15 e direcionada aos Estados e o Distrito Federal. A vedação aqui diz respeito à proibição para vedar aqueles créditos originados de operações da ZFM. Os Estados e o Distrito Federal estão vedados proibir. Como assevera Paulo de Barros Carvalho[10], a interdefinibilidade dos modais deônticos nos permite inferir que vedar proibir (Vp) tem o mesmo valor jurídico de obrigar a não proibir (O-p), que também equivale a não permitir proibir (-Pp).

Portanto, se pelo art. 8º da LCP nº 24/1975 os Estados e o Distrito Federal estão permitidos proibir (Pp) o crédito de ICMS, pelo art. 15 há a vedação para proibir (Vp) aqueles créditos relacionados a ZFM, o que implica afirmar que tais entes tributantes estão obrigados a não proibir ou então não estão permitidos proibir tais créditos de ICMS quando se trate de operações praticadas por contribuintes beneficiários de incentivos da ZFM.

Frise-se que tanto a permissão para proibir contida no art. 8º, quanto a vedação para proibir do art. 15 da LCP nº 24/1975 decorrem do exercício de competência que a CF/1988 outorgou ao legislador complementar para exercer o papel de lei nacional, vinculativa, portanto, de todos os Estados, Distrito Federal e dos respectivos contribuintes. Isto significa dizer que qualquer lei interna destes entes que disponha em sentido contrário padece de invalidade ou, quando muito, será válida se e quando interpretada conforme as regras deste artigo da LCP nº 24/1975, o que implica a exclusão de qualquer competência para glosar os créditos relacionados a benefícios fiscais oriundos da ZFM.

Outra conclusão que se impõe é que pela perspectiva apresentada no acórdão do TIT/SP é equivocado invocar-se a não incidência da regra matriz do ICMS/AM para glosar o crédito do estabelecimento paulista. Há a incidência das regras matrizes do ICMS, do crédito estímulo e da não cumulatividade, produzindo cada qual os efeitos que lhe são próprios.

Mesmo que se queira argumentar que o crédito estímulo teria o efeito indireto de diminuir o ônus tributário do contribuinte amazonense, ainda assim o questionamento não poderia ser feito pelo argumento da não incidência da regra matriz do ICMS/AM, porque, como demonstrado, ela incide e a glosa dos respectivos créditos é a maior prova disto, haja vista que não se glosa o que não existe juridicamente. E este argumento quedaria inócuo porque a função do crédito ficto ou qualquer crédito concedido de forma presumida é esta mesma de diminuir a carga tributária da respectiva operação submetida ao ICMS.

Logo, a regra matriz do crédito estímulo incide justamente para alocar um determinado valor ficto na conta gráfica do contribuinte e, assim, desonerar a carga tributária da operação beneficiada.

Vê-se, então, que topologicamente o debate deve centrar-se no âmbito da incidência das regras matrizes do crédito estímulo e da não cumulatividade do contribuinte amazonense, bem como se o Estado do Amazonas tem ou não competência para institui-las, mesmo que isto implique a redução do respectivo ônus tributário do ICMS.

E, neste aspecto, a resposta já é dada pelos citados fundamentos da própria CF/1988 que, expressamente, recepcionaram o plexo de normas constitucionais e infraconstitucionais atinentes aos incentivos da ZFM. Além disto, é o próprio art. 15 da LCP n° 24/1975 que estabelece esta possibilidade ao impedir que os demais Estados e o Distrito Federal criem qualquer obstáculo ao aproveitamento destes créditos concedidos como benefício fiscal.

Dispositivo este, aliás, que a própria Câmara Superior do TIT/SP reconheceu ter sido recepcionado pela CF/1988. Porém, quedou-se silente sobre os efeitos que ali e agora estão demonstrados.


[1] “Art. 12-A. Para efeitos desta Lei, considera-se crédito estímulo o valor resultante da aplicação de percentual sobre o valor do saldo devedor do ICMS apurado na operação de saída do bem incentivado, a ser deduzido do imposto a pagar.”

[2] Não iremos tratar do cenário relacionado a dois estabelecimentos, cujos contornos foram impactados pela decisão do STF na ADC nº 49, porque o caso concreto do acórdão tomado de parâmetro tratou de pessoas jurídicas diversas.

[3] Direito e Linguagem. 8ª Edição. Editora Noeses. São Paulo. 2021, pág. 737.

[4] Causalidade e Relação no Direito. Editora Saraiva. São Paulo. 1989, pág. 87.

[5] Idem. pág. 22.

[6] Neste sentido confira-se, dentre outras tantas manifestações da Suprema Corte, o acórdão proferido da ADIn nº 1945 – DJe de 20/05/2021, com particular destaque ao voto do Ministro Octavio Gallotti quando do exame da medida cautelar.

[7] Vide os fundamentos que norteiam a Súmula Vinculante do STF nº 8. A quem quiser se aprofundar na análise deste assunto e de como galgou o predicado de norma complementar, vide Ato Complementar nº 36 de 1966, expedido ao tempo do Comando Militar, cujas funções legislativas foram hauridas do Ato Institucional nº 2 de 1965.

[8] “Art. 15 – O disposto nesta Lei não se aplica às indústrias instaladas ou que vierem a instalar-se na Zona Franca de Manaus, sendo vedado às demais Unidades da Federação determinar a exclusão de incentivo fiscal, prêmio ou estímulo concedido pelo Estado do Amazonas.”

[9]Art. 8º – A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:

I – a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;

II – a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente.”

[10] [10] Idem, ibidem, pág. 85.

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