Lei nº 13.874/2019, que institui a declaração de direitos de liberdade econômica – Efeitos nas relações tributárias

24 de setembro de 2019

Informamos que foi publicada a Lei nº 13.874/2019, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, altera diversos dispositivos legais e dá outras providências.

A referida Lei, fruto da conversão da Medida Provisória nº 881/2019, parte da percepção de que no Brasil as atividades econômicas deveriam ser exercidas somente com a expressa permissão do Estado, o que retira segurança do empresariado nacional para produzir, gerar emprego e renda. Para inverter esse quadro, o objetivo maior da norma é garantir a segurança para a liberdade do exercício de atividades econômicas e retirar seus entraves.

A maior parte dos dispositivos diz respeito à diminuição da intervenção pública nas relações privadas, para tanto fixando princípios e listando direitos das pessoas, naturais e jurídicas, por exemplo, a previsão de intervenção apenas subsidiárias e excepcional do Estado. Entre outras medidas que poderão gerar impacto estão as alterações do Código Civil, como o de permitir sociedades limitadas por apenas uma pessoa. De modo claro, também é previsto que somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada.

No que toca ao direito tributário, o § 3º do art. 1º prevê que o disposto nos arts. 1º, 2º, 3º e 4º não se aplica ao direito tributário.

A despeito dessa restrição, há também importantes efeitos nas relações tributárias decorrentes de outros dispositivos da lei.

Alguns derivarão das alterações perpetradas no Código Civil (Lei nº 10.406/2002). Elas poderão acarretar reflexos ainda imprevistos nas relações tributárias. Entre estes pontos, apontamos os seguintes:

  • A criação do art. 49-A, cujo “caput” afirma algo que deveria ser desnecessário: “A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores”. O parágrafo único desse dispositivo traz importante previsão adicional: “A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos”. Ou seja, a autonomia patrimonial não pode ser vista, como frequentemente o fazem representantes das administrações fiscais e membros do Judiciário, como uma forma irregular e superável de segregar riscos patrimoniais. Bem ao inverso disso – é dito agora com todas as letras – essa autonomia é um instrumento lícito justamente para alocar e segregar riscos.
  • Procurando melhor precisar os casos de desconsideração da personalidade jurídica, foram acrescentados parágrafos ao art. 50, para conceituar as figuras de “desvio de finalidade” e “confusão patrimonial”.
  • No mesmo art. 50 passou a constar tratamento muitas vezes ignorado por representantes das administrações fiscais: “A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica”.
  • O art. 421, que antes previa que a liberdade contratual seria exercida em razão e nos limites da função social do contrato, agora passou a prever que ela será exercida apenas nos limites da função social do contrato. Resgata-se, com isso, a ideia original de que o contrato se presta a atender aos objetivos das partes, e os interesses sociais atuam como um limitador dessa liberdade. Trata-se de previsão importante para as relações tributárias, pois com certa frequência há autuações fiscais envolvendo supostos planejamentos fiscais em que as administrações fiscais alegam que as partes não teriam exercido sua liberdade contratual em razão da função social do contrato.

As alterações na Lei nº 10.522/2002 representarão outro efeito importante no direito tributário, ao procurarem dar mais racionalidade à atuação da Receita Federal, do CARF e da PGFN, particularmente tendo em vista a jurisprudência nacional:

  • • Comitê formado de integrantes do CARF, da Receita Federal e da PGFN editará enunciados de súmula da administração tributária federal, conforme o disposto em ato do Ministério da Economia, que deverão ser observados nos atos administrativos, normativos e decisórios praticados pelos referidos órgãos. Note que não há previsão de participação de representantes da sociedade civil, o que seria conveniente, para evitar uma possível tendência fazendária na edição desses enunciados. Quando menos, os enunciados a serem aprovados por esse Comitê deveriam limitar-se às súmulas antes aprovadas no próprio CARF. Ou seja, seria melhor que essa regra tivesse outra redação.
  • O art. 19 dessa Lei nº 10.522/2002 foi modificado, listando as hipóteses em que a PGFN fica dispensada de contestar e interpor recursos em ações e decisões judiciais ou administrativas.
  • Foram criados os arts. 19-A, 19-B, 19-C e 19-D. Particularmente relevante é o art. 19-A, que traz a determinação a auditores-fiscais da Receita Federal de não constituírem créditos tributários relativos aos temas tratados no art. 19.

Por fim, o último ponto que gostaríamos de chamar a atenção aqui, quanto a efeitos tributários da Lei nº 13.874/2019, diz respeito à revogação do eSocial. Trata-se de previsão acrescentada pelo Congresso Nacional, que não constava do texto da Medida Provisória nº 881/2019 e que não foi vedada pela Presidência da República. Nos termos do art. 16, o eSocial será substituído, em nível federal, por sistema simplificado de escrituração digital de obrigações previdenciárias, trabalhistas e fiscais. O parágrafo único determina a aplicação do mesmo tratamento às obrigações acessórias à versão digital gerenciadas pela Receita Federal do Livro de Controle de Produção e Estoque da Receita, o famoso Bloco K. São regras que dependerão da regulamentação para saber quão efetivas serão, em outras palavras, o quanto os novos sistemas simplificados representarão de redução de obrigações formais das empresas. Há a expectativa, porém, que essa medida possa representar uma efetiva redução dos elevados custos de conformidade tributária atualmente impostos às empresas nacionais.

Permanecemos à disposição para tratar da questão e sanar eventuais dúvidas.

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