O conceito de lucro para empresas estrangeiras e a especialidade dos Tratados Internacionais

3 de junho de 2020

O STJ finalizou o julgamento do REsp nº 1.618.897, no qual era discutida a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte em razão da prestação de serviços técnicos realizados à empresa brasileira por empresa estrangeira, à luz da legislação interna ou em atenção as normas estabelecida em tratado internacional.

Para o contribuinte, não haveria incidência do IRRF sobre as remessas feitas como pagamento em razão da prestação de serviços pela empresa francesa, pois o artigo VII da Convenção com a França para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Imposto sobre o Rendimento só admite a tributação dos lucros em ambos os Estados Contratantes quando a empresa exercer sua atividade no outro Estado por meio de um estabelecimento permanente ali situado, o que não era o caso dos autos.

Contudo, o posicionamento do TRF-2ª Região foi no sentido de aplicar a norma interna de tributação. Para esse Tribunal, tais remessas não estariam compreendidas no conceito de lucro contido nos tratados, mas, sim, de rendimentos. Portanto, o cerne da questão era a interpretação da expressão “lucros”, prevista no art. 7º do Decreto 70.560/1972 (Convenção Brasil-França).

Normalmente, conflitos entre normas são solucionados mediante alguns critérios – como a hierarquia, a especialidade e o aspecto cronológico – para definir qual é a lei apta a ser aplicada.

No presente caso, o STJ solucionou a controvérsia a respeito da aplicação ou da norma interna de tributação ou do tratado com base no art. 98 do CTN. Este determina a prevalência da norma internacional sobre a norma interna, em razão de sua especialidade. Desta forma, ocorrerá a chamada revogação funcional, ou seja, uma limitação de eficácia normativa que recairá sobre situações fáticas ou jurídicas relacionadas aos Estados Contratantes.

Vale dizer, nos demais casos não alcançados por tratados contra a dupla tributação, vigora em plenitude a regra de direito tributário interna sem quaisquer limitações, revogação ou derrogação.

Já na existência de tratados, com a regra a respeito de “lucro da empresa estrangeira”, esta expressão deve ser interpretada como lucro operacional, ou seja, considerando o resultado das suas atividades, principais ou acessórias e que constituam o objeto da pessoa jurídica, incluindo-se, portanto, os rendimentos pagos como contrapartida ao serviço prestado.

A interpretação da expressão no sentido de “lucro real” acarretaria na ausência de materialidade possível para incidir o dispositivo da Convenção, pois todo e qualquer pagamento ou remuneração remetido ao estrangeiro está – e estará sempre – sujeito a adições e subtrações ao longo do exercício financeiro.

Por fim, concluiu-se que tais valores só poderão ser tributados nos dois Estados Contratantes caso exista estabelecimento permanente da Empresa em ambos os Estados, sendo que na ausência deste estabelecimento no país de onde parte a remessa de recursos, a tributação ocorrerá no domicílio da sede da empresa.

Essa decisão segue o entendimento já acolhido pelo STJ em outros precedentes, mencionados nesse próprio acórdão (REsp 1.272.897 e REsp 1.161.467). A Receita Federal, após o ADI RFB 5/2014, também tem aceito esse tratamento, a depender das regras do tratado (vide Solução de Consulta nº 153/2015 e outras).

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