SOLUÇÕES COSIT – CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS SOBRE PRODUTORES RURAIS

27 de novembro de 2019

Recentemente foram divulgadas duas Soluções de Consulta COSIT que merecem breves considerações.

A Solução de Consulta COSIT nº 286/2019 trata do contribuinte empregador rural pessoa jurídica, inicialmente obrigado à contribuição previdenciária sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição da contribuição sobre a folha (art. 25 da Lei nº 8.870/1994). Por força da Lei nº 13.606/2018, porém, foi concedido o direito de optar pelo recolhimento da contribuição previdenciária com base na folha de salários. Como regra, essa opção deve ocorrer mediante o pagamento da contribuição relativa a janeiro de cada ano.

A Consulta foi apresentada por contribuinte que relatou estar, quando da consulta, sem empregados ou trabalhadores avulsos. Sua dúvida é se poderia vir a ser questionado por ter feito a opção do recolhimento com base no total das remunerações pagas. A consequência, dada sua situação particular, seria não se submeter ao ônus tributário.
A COSIT respondeu que a inexistência de empregados e/ou trabalhadores avulsos impediria o direito à opção quanto à forma de tributação, pois é condição exigida o pagamento da contribuição sobre a folha de salários em janeiro. Logo, se esse pagamento não ocorre (ainda que em razão de a folha de salários não ter valor), permaneceria a regra geral, de incidência da contribuição sobre a receita bruta.
Já a Solução de Consulta COSIT nº 291/2019 trata de dúvida apresentada por contribuinte produtor rural pessoa física. Também ele estava originariamente obrigado a recolher contribuição previdenciária sobre a receita bruta da comercialização da produção (art. 25 da Lei nº 8.212/1991). Igualmente por decorrência da Lei nº 13.606/2018 foi dada a opção de se submeter à contribuição sobre a folha de salários.

A dúvida apresentada diz respeito à situação em que um mesmo produtor rural é proprietário de mais de um imóvel e se a opção pelo regime tributário poderia ser feita em relação a cada um deles. A COSIT respondeu negativamente: a escolha do produtor rural pessoa física deve abranger todos os imóveis em que ele exerça sua atividade.
As duas Soluções de Consulta despertam a atenção ao discorrerem sobre o sujeito passivo da contribuição previdenciária. Em relação à pessoa física, é o “empregador rural pessoa física” (art. 25, “caput”, da Lei nº 8.212/1991) e para a pessoa jurídica é o “empregador, pessoa jurídica, que se dedique à produção rural”. Vale dizer, em ambos os casos, a contribuição previdenciária não incide simplesmente sobre o produtor rural, pessoa física ou jurídica. Há o requisito de se caracterizar como empregador, nos termos claros da legislação.

Desse modo, se o produtor rural, pessoa física (este quando caracterizado como contribuinte individual) ou pessoa jurídica, não se qualificar como empregador, a contribuição previdenciária não incide. É o caso, por exemplo, de um proprietário rural, pessoa física ou jurídica, que firma um contrato de parceria rural, nos termos do Decreto nº 59.566/1966, pelo qual cede ao outro parceiro o imóvel rural, partilhando dos frutos, produtos ou lucros, mas muitas vezes não tendo (ele, parceiro-proprietário) empregados.

A restrição da incidência dessa contribuição previdenciária apenas quando produtor, pessoa física ou jurídica, se qualificar como empregador é racional e sistemática.
Com efeito, em primeiro lugar, a contribuição sobre a receita (agora com a opção de recolhimento com base na folha) é substitutiva da contribuição sobre a folha de salários. Não há sentido em exigir contribuição substitutiva quando a substituída não existe, em outras palavras, não se substitui o que não existe. Daí que só cabe cobrar contribuição sobre a receita, substitutiva da sobre a folha, quando fosse possível ter esta, o que não ocorre quando a pessoa física ou a pessoa jurídica não são empregadores.

Em segundo lugar, esse entendimento não gera qualquer privilégio. Quanto ao produtor rural pessoa jurídica, ele não se submeterá à contribuição previdenciária da mesma forma como qualquer outra pessoa jurídica sem empregados. Quanto ao produtor rural pessoa física, ele continuará a recolher a contribuição própria como contribuinte individual, sobre o salário-de-contribuição (como prevê o § 2º do art. 25 da Lei nº 8.212/1991).

Desses dois pontos infere-se também que a exigência da contribuição sobre a receita do produtor não empregador caracterizaria tratamento discriminatório e mais oneroso, violador do princípio da isonomia, em comparação com outro contribuinte, não empregador, submetido à contribuição sobre a folha.

É certo que o inciso I do art. 195 da Constituição, em sua redação original, colocava como contribuinte das contribuições sociais apenas os “empregadores” (foi apenas com a EC 20/1998 que passou a constar como contribuintes o empregador, a empresa e a entidade a ela equiparada na forma da lei) e, a despeito disso, o Supremo concluiu que o vocábulo “empregadores” compreenderia inclusive a pessoa jurídica empregadora em potencial (p. ex., AgReg no RE 468.628-7 e RE 585.181). Assim o fez, porém, tendo em vista que o “caput” do art. 195 sempre previu que a seguridade social seria financiada por toda a sociedade e que excluir as empresas não empregadoras teria por efeito negar essa prescrição geral, fundada no princípio da solidariedade geral que guia a seguridade social.
Já a situação aqui tratada, relativa ao empregador rural, pessoa física ou jurídica, é distinta em função de variadas razões. Em primeiro lugar, não se trata de afastar totalmente as contribuições sociais incidentes sobre tais contribuintes. Como observado, o produtor rural pessoa física continuará a contribuir como contribuinte individual e a pessoa jurídica continuará a recolher as contribuições sobre o lucro e sobre o faturamento (COFINS). Em segundo, eles apenas deixam de ser onerados pela contribuição sobre a receita, substitutiva da contribuição sobre a folha e o produtor não empregador a ela não se submeteria simplesmente por não ter empregados.

Na verdade, é mais aplicável aqui a discussão a respeito da exigibilidade da contribuição sindical sobre empresas sem empregados. Aqui, o STF tem mantido a jurisprudência majoritária do TST no sentido de que tal contribuição não se impõe à pessoa jurídica não empregadora.

Por fim, é de se registrar ainda que, quando do julgamento da contribuição previdenciária sobre a receita incidente sobre o produtor rural pessoa física (vulgarmente conhecido como FUNRURAL), o Supremo Tribunal Federal partiu da premissa (e assim inclusive está consignado na ementa) que se tratava de um ônus incidente sobre o empregador rural pessoa física e não, simplesmente, sobre o produtor rural pessoa física (RE nº 718.874).

Entretanto, a Receita Federal discorda desse entendimento, pelo que se infere da Solução de Consulta COSIT nº 286/2019, ao afirmar que o contribuinte empregador rural pessoa jurídica não poderia optar pela tributação pela folha por não ter empregados. Ora, se ele não tem empregados, simplesmente não é contribuinte dessa contribuição previdenciária.
A Receita Federal parece ter a mesma conclusão no que toca ao “empregador rural pessoa física”. É o que se infere de diversas Soluções de Consulta (como a antes comentada nº 291/2019), ao não utilizar essa expressão e partir da premissa de que o contribuinte seria simplesmente o “produtor rural pessoa física”. Na Solução de Consulta COSIT 76/2017, inclusive, consta a afirmação de que o “produtor rural pessoa física, com ou sem empregado” deve informar em GFIP o valor de sua receita bruta derivada de sua produção apenas quando a comercialize diretamente no varejo, mas não quando a comercialize com pessoa jurídica, pois nesse caso caberia a esta efetuar a retenção e recolhimento da contribuição.

Em outras palavras, a Receita Federal ignora o texto legal para considerar que o contribuinte seria qualquer produtor rural pessoa física, seja ou não empregador.
Caso a Receita Federal venha a autuar contribuintes que não se caracterizem como empregadores, é possível impugnar eventuais exigências. Também é viável, a depender do receio do produtor rural a respeito do tema, adotar medidas judiciais protetivas prévias.

Permanecemos inteiramente à disposição para maiores esclarecimentos.

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