Subvenções para Investimento – MP 1.185

31 de agosto de 2023

Foi publicada hoje, 31/08, a Medida Provisória nº 1.185, que altera toda a sistemática da tributação federal a respeito das subvenções para investimento e dos benefícios tributários de ICMS concedidos pelos Estados.

A matéria é complexa e a reflexão cuidadosa e detida é necessária. As impressões iniciais também são dificultadas por ainda não ter sido divulgada a Exposição de Motivos. Ainda assim, dada a relevância do tema e a importância para vários de nossos clientes, apresentamos alguns comentários iniciais, sem embargo de voltarmos ao tema após novos estudos.

Seguem comentários específicos sobre alguns itens da MP, seguido de ponderações mais gerais:

  • Mudança radical na sistemática: o recebimento de valores com a natureza de subvenções para investimento deixa de ser simplesmente não computado nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Será apurado um crédito fiscal.
  • Passam a existir conceitos mais precisos, seja de subvenção para investimento, seja de implantação e expansão de empreendimento econômico.
  • Implantação de estabelecimento econômico só estará presente se a pessoa jurídica não for domiciliada na localização geográfica do ente federativo que concede a subvenção. É um conceito restritivo, que poderia inviabilizar que uma empresa já localizada em um Estado tivesse o benefício de subvenção para investimento, para fins dos tributos federais, para instalar uma nova fábrica no mesmo Estado. Todavia, não parece ser um problema dado o conceito de expansão de empreendimento, que inclui a instalação de novo estabelecimento da mesma pessoa jurídica na localização geográfica do ente federativo que concede a subvenção.
  • O crédito fiscal decorrente de subvenção para investimento parece ser restrito para fins do IRPJ. Não há previsão de gerar crédito para fins de CSLL.
  • Esse crédito fiscal é passível de ressarcimento ou compensação com tributos administrados pela Receita Federal (mas somente a partir do ano-calendário seguinte ao reconhecimento das receitas de subvenção).
  • Para obter o crédito fiscal de subvenção para investimento a pessoa jurídica deve previamente se habilitar perante a Receita Federal. Nota-se novamente a mudança radical de tratamento: até agora o contribuinte simplesmente excluía o valor de subvenção para investimento de suas bases de cálculo de IRPJ e de CSLL. Agora, ela deverá se habilitar previamente na Receita Federal.
  • Para a habilitação pela Receita Federal, entre outras exigências, o ato concessivo do ente federativo (como um Estado, por meio de benefício de ICMS) deve estabelecer expressamente as condições e contrapartidas a serem observadas pela pessoa jurídica relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico. O efeito será que muitos benefícios tributários estaduais, por não serem tão detalhados, não poderão ter o tratamento de subvenções para investimento.
  • O valor do crédito fiscal corresponderá ao produto das receitas de subvenção e da alíquota de IRPJ (inclusive adicional) (art. 6º). A redação não é muito clara, mas o cálculo a ser feito parece ser o de aplicação da alíquota de IRPJ sobre o valor das receitas de subvenção.
  • Há outras regras sobre a apuração do valor do crédito fiscal de subvenção para investimento. As receitas de subvenção devem estar relacionadas com a implantação ou a expansão do empreendimento econômico. A impressão inicial é que se pretende restringir o valor do crédito somente ao que for comprovado como relativo à implantação ou expansão. Benefícios que excedem ao valor do investimento deixam de ter o tratamento de subvenção para investimento.
  • Um dispositivo que desperta dúvida é o do art. 8º, I, segundo o qual na apuração do crédito fiscal não poderão ser computadas receitas não relacionadas com as despesas de depreciação, amortização ou exaustão relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico. A dúvida é se o crédito fiscal (a) só poderá ser computado sobre o valor dessas despesas, o que a nosso ver seria contraditório com o art. 6º antes comentado, ou (b) ele não pode ser computado sobre outras despesas de depreciação, amortização ou exaustão relativas a outros bens, que não aqueles vinculados à implantação ou à expansão do empreendimento econômico. Entendemos que essa segunda interpretação é a mais correta, mas a redação dúbia poderá acarretar disputas.
  • O crédito fiscal também só poderá ser reconhecido após a conclusão da implantação ou da expansão do empreendimento econômico. Isso significará um custo novo. Por exemplo, se um Estado conceder uma subvenção para investimento de $100 para implantar um empreendimento que terá um custo de $100, a empresa deverá computar esses $100 em sua base de cálculo do IRPJ (sem contar da CSLL), o que resultará líquido um montante de $66 (reduzindo-se as alíquotas de IRPJ de 25% e de 9% de CSLL, aqui sem considerar PIS/COFINS). A empresa só terá a devolução do IRPJ sobre o valor da receita de subvenção após a conclusão da implantação ou expansão do empreendimento. Resultado: ou o Estado deverá conceder um benefício de valor superior ao custo do empreendimento, para permitir que a empresa arque com o montante do IRPJ/CSLL a ser pago durante os investimentos, ou o valor da subvenção para investimento será inferior ao montante do custo de implantação do empreendimento econômico. Renovam-se aqui as resistências relativas à necessidade de respeito ao Pacto Federativo.
  • Ainda quanto à apuração do crédito fiscal, a MP estabelece que não poderão ser computadas receitas que não tenham sido consideradas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Isso poderá criar dificuldades para a utilização dos benefícios de isenção ou de redução de base de cálculo de ICMS como instrumentos estaduais para subvencionar investimentos. Isso porque a empresa deverá, então, computar o valor desses benefícios nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL e tributá-los.
  • O art. 8º estabelece que não poderão ser computadas na apuração do crédito fiscal as receitas reconhecidas após 31/12/2028. Não há explicação da razão dessa limitação. Talvez ela se ligue à extinção do ICMS a partir de 2029 nos termos da Reforma Tributária em discussão no Senado Federal. Ainda que assim seja, porém, a princípio não vemos sentido em vedar toda a sistemática de subvenção para investimento, sem importar a origem e a forma da subvenção recebida pelo contribuinte, em função da extinção somente do ICMS e de forma paulatina.
  • A MP revoga dispositivos normativos tributários sobre subvenções hoje existentes:
    • O § 2º do art. 38 do Decreto-Lei nº 1.598/1977, norma que trata de subvenções há décadas e que estatui que as subvenções para investimento (inclusive mediante isenção ou redução de impostos) não serão computados na determinação do lucro real, desde que registradas em reserva não distribuível aos sócios. Essa revogação permite, justamente, que os valores de subvenções para investimento sejam inicialmente tributados pelo IRPJ.
    • O inc. X do § 3º do art. 1º da Lei nº 10.637/2002 e o inc. IX do § 3º do art. 1º da Lei nº 10.833/2003, os quais estabeleciam que subvenções para investimento não integravam a base de cálculo do PIS/COFINS. Com isso, deverá ser reforçada disputa sobre a tributação por essas contribuições de benefícios tributários concedidos pelos Estados.
    • O art. 30 da Lei nº 12.973/2014, o que inclui seus §§ 4º e 5º, os quais, em nosso entender, haviam equiparado quaisquer benefícios de ICMS a subvenções para investimento.
  • A MP entra em vigor na data de sua publicação, mas produzirá efeitos somente a partir de 1º/01/2024. Para tanto, porém, ela precisa ser convertida em lei até o final deste ano de 2023 (art. 62, § 2º, da Constituição).

Os efeitos dessa MP são de extrema relevância para todas as empresas que recebem subvenções e benefícios de ICMS. O impacto não é somente para aquelas que estão com ações judiciais buscando o reconhecimento do tratamento de subvenções para investimento a benefícios de ICMS, ou sustentando que o Pacto Federativo afasta a tributação pela União Federal dos valores desses benefícios. A MP impacta inclusive empresas que tenham efetivas subvenções para investimento e que estejam realizando (ou já o tenham feito) investimentos em empreendimentos novos ou suas expansões. Isso porque, como comentado acima, a MP muda radicalmente toda a sistemática tributária das subvenções para investimento. A disciplina normativa de não tributar os valores recebidos como subvenções é substituída pelo regime tributário de primeiro tributar esses valores para só depois obter um crédito fiscal relativo ao valor do IRPJ incidente sobre o valor desses benefícios.

A mudança não representa somente um custo (muito relevante) financeiro, de arcar inicialmente com o IRPJ para só depois de um tempo (que podem ser anos) recebê-lo de volta. A nova sistemática implica nova tributação sobre os valores de subvenções para investimento pela CSLL, PIS e COFINS (ou de outros benefícios que passaram a ter o tratamento de subvenções para investimento).

Também merece ser destacado que a MP ignora as discussões que ocorrem no Superior Tribunal de Justiça – STJ e no Supremo Tribunal Federal – STF.

Com efeito, persiste ainda sem julgamento definitivo no STJ a discussão sobre quais benefícios estaduais não poderiam ser tributados pela União Federal em respeito ao chamado “Pacto Federativo”. Inicialmente (embora embargos de declaração estejam pendentes de julgamento), o STJ afirmou que não poderiam ser tributados por essa razão somente os benefícios estaduais de ICMS concedidos na forma de crédito presumido. A MP, porém, não concede um tratamento específico ao crédito presumido. Pode-se pensar que o debate a respeito do Pacto Federativo é distinto do tratamento tributário das subvenções para investimento. Por isso, a pendência de posicionamento do STJ ou mesmo sua posição até o momento de impossibilidade de tributação do crédito presumido não seria um impeditivo para a MP. Ainda assim, porém, parece inevitável o início de novo contencioso.

O mesmo pode ser dito a respeito da discussão em trâmite no STF a propósito da impossibilidade de tributação pelo PIS/COFINS de créditos presumidos de ICMS, por representarem a redução de despesa. Também aqui a MP ignorou esse aspecto, o que poderá despertar novas disputas judiciais.

Há outras dúvidas jurídicas que a MP desperta imediatamente. Uma delas é que, ao revogar o art. 30 da Lei nº 12.973, seriam revogados também seus §§ 4º e 5º, criados pela Lei Complementar nº 160/2017. Esta, inclusive nessa parte, não seria somente formalmente complementar. Ela também teria a natureza substancial de lei complementar, por tratar de um conflito federativo entre União Federal e Estados (art. 146, I, da CF/88). Por isso, será argumentável que uma MP não poderia dispor sobre esse assunto, por expressa vedação do art. 62, § 1º, III, da Constituição Federal.

Como  antes apontado, a MP não tem efeitos imediatos, mas somente a partir do ano que vem e desde que convertida em lei até o final deste ano. Por enquanto, portanto, não há nada a fazer com as ações judiciais em trâmite. Impõe-se acompanhar as discussões no Congresso Nacional, que poderá não aprovar a MP ou aprová-la com mudanças.

A Advocacia Lunardelli permanece à disposição em caso de dúvidas.

Atenciosamente,

Jimir Doniak Jr.

Sócio – Tributos Diretos

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