ICMS – Sefaz/SP – Interrupção do diferimento em Estabelecimento Industrial – Crítica

11 de fevereiro de 2022

Ao logo do ano de 2021, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo publicou mais duas importantes Respostas às Consultas (nºs 23855/2021 e 24096/2021) sobre o instituto da interrupção do diferimento, especialmente quando da entrada de mercadorias em estabelecimento que exerça atividade industrial e comercial.

Um dos temas mais discutidos é sobre as operações com resíduos de materiais, prevista no art. 392 do Regulamento do ICMS (RICMS):

Artigo 392 – O lançamento do imposto incidente nas sucessivas saídas de papel usado ou apara de papel, sucata de metal, caco de vidro, retalho, fragmento ou resíduo de plástico, de borracha ou de tecido fica diferido para o momento em que ocorrer: (…)

III – sua entrada em estabelecimento industrial.

A celeuma da questão está na forma de equiparação à estabelecimento industrial. Isso porque, independentemente da destinação que será dada à mercadoria adquirida (industrialização ou comercialização), o Estado de São Paulo entende que bastaria a entrada de produtos no estabelecimento industrializador para ocorrer a interrupção do diferimento, ainda que este exerça atividade mista.

No passado, foram inúmeras consultas exaradas pelo ente no mesmo sentido, a exemplo das respostas abaixo:

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 3390/2014

ICMS – Aquisição de resíduo de plástico por estabelecimento industrial optante pelo Simples Nacional.

I – Ocorre a interrupção do diferimento na entrada em estabelecimento industrial que receber de contribuinte paulista resíduo de plástico, independente da destinação que será dada.

 

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 10395/2016

ICMS – Diferimento – Interrupção na entrada de sucata de cobre em estabelecimento industrial – Tributação aplicável na saída do produto resultante (granalha de cobre).

I – Na entrada em estabelecimento industrial, interrompe-se o diferimento do lançamento do imposto incidente nas sucessivas saídas internas de sucata de metal de cobre, conforme previsto no artigo 392, inciso III, do RICMS/2000.

 

Resposta à Consulta nº 14603M1/2017

ICMS – Diferimento – Operações com sucata de vidro – Indústria – MODIFICAÇÃO DE RESPOSTA.

  1. A atividade de beneficiamento que altere a forma de utilização de mercadoria transformando-a em outro produto, mesmo que suas composições químicas em si não sofram alteração, representa modalidade de industrialização.
  2. O diferimento previsto no inciso III do artigo 392 sempre deve ser interrompido no momento da entrada da sucata em estabelecimento que exerça atividade industrial e comercial (mista), independentemente de destinar-se a revenda ou a industrialização.

III. A legislação prevê expressamente os momentos em que deve ser interrompido o diferimento das operações internas com resíduos de materiais, não podendo o contribuinte adotar outra hipótese que não aquelas estabelecidas nos incisos do artigo 392 do RICMS/2000.

 

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 19181/2019

(…) III. Ocorre a interrupção do diferimento na entrada de resíduos de materiais (papel usado ou apara de papel, sucata de metal, caco de vidro, retalho, fragmento ou resíduo de plástico, de borracha ou de tecido) em estabelecimento industrial, remetidos por contribuinte paulista, independente da destinação que será dada à mercadoria (industrialização ou comercialização). (…)

Veja, que mesmo sem qualquer processo de industrialização, o fisco defende a equiparação do estabelecimento à industrial para fins de interrupção do diferimento.

Assim, a Administração Estadual outra vez exarou respostas, no ano passado, confirmando o posicionamento de que a destinação da mercadoria não teria relevância, conforme ementas transcritas a seguir:

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 23855/2021

ICMS – Diferimento – Operação interna de aquisição de sucatas de metal por estabelecimento industrial para posterior saída interestadual com destino a estabelecimento pertencente ao mesmo titular.

  1. O diferimento previsto no inciso III do artigo 392 do RICMS/2000 deve ser interrompido no momento da entrada da sucata em estabelecimento que exerça atividade industrial, independentemente de destinar-se à industrialização ou à posterior saída interestadual.

  

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 24096/2021

ICMS – Diferimento – Operações com resíduos de papel e papelão.

  1. O diferimento previsto no inciso III do artigo 392 do RICMS/2000 deve ser interrompido no momento da entrada da sucata em estabelecimento que exerça atividade industrial, independentemente de destinar-se a industrialização ou a posterior saída.

Em ambas as Consultas, a Administração sustenta que o art. 392, III, do RICMS trata apenas natureza do estabelecimento:

“Ou seja, mesmo que um contribuinte adquira sucatas com a finalidade de comercialização, sem sujeitá-las a qualquer processo industrial, considera-se interrompido o diferimento no momento da entrada em seu estabelecimento, dado sua natureza industrial.”

Contudo, essa não é a melhor interpretação sobre a matéria, a nosso ver, sobretudo quando há idênticas situações para contribuintes que exercem a mesma atividade, mas que ora o diferimento é interrompido ora não.

A solução dada e proposta pelo fisco privilegia o estabelecimento estritamente comercial, e prejudica, outro estabelecimento comercial mas que também realiza atividade industrial a mais, na medida em que a apuração do imposto – até então diferido – deste ocorrerá já na entrada das mercadorias por ocasião da interrupção entendida pelo fisco.

Basta analisar por outro lado, em hipóteses nas quais o contribuinte não exerce qualquer atividade industrial. A própria Fazenda já admitiu que neste caso não ocorre a interrupção do diferimento. Confira-se:

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 20887/2019

ICMS – Operações com sucatas metálicas – Diferimento do artigo 392 do RICMS/2000.

  1. Não ocorre a interrupção do diferimento da sucata, prevista no inciso III do artigo 392 do RICMS/2000, na entrada de estabelecimento que não realize atividades de industrialização nos termos do artigo 4º, inciso I, do RICMS/2000.
  2. Os procedimentos inerentes ao processo de comercialização visando à facilitação no transporte da mercadoria não são considerados industrialização.

 

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 21189/2020

ICMS – Operações com sucata de autopeças – Aplicação do diferimento do artigo 392 do RICMS/2000

  1. Sujeita-se ao diferimento de que trata o artigo 392 do RICMS/2000 a operação de entrada, em estabelecimento não fabricante, de autopeças inutilizáveis/inservíveis que serão destruídas e agrupadas segundo a natureza de seus materiais componentes,para posterior venda, por quilo, a título de sucata.

II.O diferimento do artigo 392 do RICMS aplica-se também às operações de saída da sucata obtida a partir da destruição e da separação de autopeças inservíveis, desde que não destinadas a outro Estado ou ao exterior e desde que não se trate de uma das exceções elencadas no artigo 428 do RICMS/2000 (interrupção do diferimento).(…) 9. Considerando-se que a Consulente não é estabelecimento industrial, o diferimento de que trata o artigo 392 do RICMS/2000 é aplicável às operações de entrada (…)”

Apesar da contradição, o que causa mais estranheza é o fato de pertinentes dispositivos serem desconsiderados.

Ainda que no âmbito federal, o art. 9 do Decreto Federal nº 7.212/2010 (RIPI/10) expressamente determina as hipóteses de equiparação a estabelecimento industrial:

Art. 9º Equiparam-se a estabelecimento industrial:(…)

IV – os estabelecimentos comerciais de produtos cuja industrialização tenha sido realizada por outro estabelecimento da mesma firma ou de terceiro, mediante a remessa, por eles efetuada, de matérias-primas, produtos intermediários, embalagens, recipientes, moldes, matrizes ou modelos;”

Outro dispositivo sumariamente desconsiderado é o art. 8º da Lei nº 6.374/89, de extrema importância, que define o sujeito passivo por substituição nas operações com sucata, qual seja, o sujeito passivo que realiza operações de saídas de mercadorias efetivamente fabricadas com esses insumos:

Artigo 8º – São sujeitos passivos por substituição, no que se refere ao imposto devido pelas operações ou prestação com mercadorias e serviços adiante nominados: (…)

XVI – quanto a papel usado e apara de papel, sucata de metal, caco de vidro, retalho, fragmento e resíduo de plástico, de borracha ou de tecido: o contribuinte que realize as operações a seguir indicadas, relativamente ao imposto devido nas anteriores saídas promovidas por quaisquer estabelecimentos:

  1. a) saída de mercadorias fabricadas com esses insumos; (…)”.

Verifica-se que a Lei do ICMS se coaduna com a atividade econômica cujo valor agregado pretende-se atingir com a tributação, qual seja, a atividade industrial.

Em outro giro, a interrupção do diferimento causa, apenas, o efeito financeiro nefasto à cadeia, pois o ICMS diferido recolhido na entrada do estabelecimento é passível de crédito e compensação escritural com o débito por saída posterior, ou seja, ao final, a questão se resume a antecipação de receita por parte do Estado, sem autorização na Lei, até porque, o diferimento não é um incentivo fiscal, apenas uma metodologia de postergação do recolhimento do tributo.

Como se não bastassem as contradições e omissões, é possível identificar autuações em que o fisco sequer visita o estabelecimento do contribuinte para confirmar se ocorreu processo de industrialização ou não. Ou seja, ainda que o estabelecimento exerça atividade comercial, a fiscalização pode considerar que haverá interrupção do diferimento se houver prática de qualquer outra atividade industrial ou, simplesmente, se apenas constar atividade industrial em seu objeto social.

Neste caso, o E. Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT/SP) deveria converter o julgamento em diligência em prol da verdade material. Todavia, no exemplo citado abaixo (AIIM 4123238-0), não foi o que ocorreu na decisão exarada pela C. 12ª Câmara Julgadora:

“AIIM ICMS – FALTA DE PAGAMENTO DO IMPOSTO NA ENTRADA E NA SAÍDA DE SUCATA DE SEU ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL. FALTA DE EMISSÃO DE NOTA FISCAL NA ENTRADA DE MERCADORIA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO. (…)

Obviamente, não há como definir, com certezaque a sucata remetida pelo Autuado para industrialização seja exatamente aquela por ele comprada, ou aquela gerada nos supostos cortes por ele realizados em seu estabelecimento, nas bobinas danificadas.

Mas o fato é que, comprovadamente, o Autuado adquire e vende sucatas, mas também envia uma quantidade de sucata para ser industrializada por terceiros.

Os Fiscais que visitaram o estabelecimento afirmaram ter ali observado processamento de sucata, mas como se trata de informação desacompanhada de provas, possui valor apenas como reforço de convicção.

Examinando o conjunto probatório, concluo que o Autuado compra e vende sucata, e também industrializa a sucata, através de terceiros, como comprova a documentação fiscal e as próprias declarações do sócio.

Tudo indica que, além de industrializar sucata através de terceiros, também realiza industrialização de sucata em seu próprio estabelecimento, como sustenta o Agente Fiscal ter presenciado no local.

O Autuado oferece produtos em dimensões sob encomenda, e possui domínio de indústria na internet.

Pelo exposto, reconheço que o Autuado é um estabelecimento industrializador de sucata e, como tal está sujeito à regra que determina a interrupção do diferimento na entrada da sucata em seu estabelecimento, devendo ainda destacar o ICMS próprio nas saídas de sucata ou dos produtos resultantes de sua industrialização. (…)” (TIT/SP, AIIM 4123238-0, Rel. RUBENS DE OLIVEIRA NEVES, 12ª Câmara Julgadora, j. 21/05/2021 – g.n.)

Em que pese o posicionamento do Estado e de algumas Câmaras do TIT, E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo privilegia a comprovação da efetiva industrialização para caracterizar hipótese de interrupção de diferimento, o que gerará controvérsia no contencioso judicial. Até porque, já há sentença com fundamento no sentido de que “os processos de separação, filtragem e corte a que as sucatas e resíduos metálicos são submetidos antes de sua comercialização não se caracterizam como industrialização”.

É recomendável a atenção a esses temas, pois, como se sabe, não basta a mera interpretação das normas tributárias. O que já nos parece de extrema relevância é a necessidade de controle, registro e organização no fluxograma interno das mercadorias adquiridas e utilizadas na atividade da empresa, seja para industrialização, seja para comercialização.

Considerando o exposto, nós da Advocacia Lunardelli ficamos à disposição para prestar maiores esclarecimentos e para auxiliar em quaisquer necessidades visando o não afastamento da interrupção do diferimento.

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