Subvenções para investimento. Tributação de benefícios de ICMS – Lei 14.789

3 de janeiro de 2024

Na tarde do dia 29/12 foi publicada a Lei nº 14.789, que consiste na conversão em lei da Medida Provisória nº 1.185, que dispunha sobre crédito fiscal decorrente de subvenção para implantação ou a expansão de empreendimento econômico. Além desse tema, a lei também trata de outros assuntos, sendo o mais relevante as modificações no cálculo dos juros sobre capital próprio – JCP.

Basicamente, foram mantidas as disposições da MP 1.185, que foram objeto de nosso Informativo de 31/08/2023.

Conforme explicamos na ocasião, trata-se de radical mudança na sistemática que vigorou durante décadas no Brasil, de não tributar as subvenções para investimento, excluindo-as das bases de cálculo do IRPJ, da CSLL e do PIS/COFINS. O novo regime legal consiste em tributar os valores das subvenções para investimento, mas conceder um crédito fiscal a ser utilizado pelo contribuinte, limitado ao equivalente ao ônus do IRPJ, ou seja, 25% do montante da subvenção.

Evidente que esse novo regime é mais oneroso para os contribuintes. Três são as razões para essa conclusão: (1) há o gasto tributário com a tributação do valor da subvenção, para só depois receber o crédito fiscal, importando um custo financeiro relevante; (2) o crédito fiscal é limitado ao custo do IRPJ, de modo que haverá a tributação definitiva do valor da subvenção pela CSLL e pelo PIS/COFINS; (3) foi revogada a disposição normativa de equiparação de qualquer benefício tributário de ICMS a subvenções para investimento (§ 4º do art. 30 da Lei nº 12.973/2014, adicionado pela Lei Complementar nº 160/2017).

Desse modo, o crédito fiscal será calculado mediante a aplicação do percentual de 25% sobre o valor da subvenção para investimento concedido por ente federativo para a implantação ou expansão de empreendimento econômico. Aqui houve mudança no Congresso Nacional: ao conceituar expansão de empreendimento, incluiu a atividade de comércio, não mais restringindo o crédito fiscal à produção de bens ou serviços.

Ponto importante é que a empresa deverá ser habilitada previamente pela Receita Federal. Para tanto, a empresa precisa apresentar o ato concessivo da subvenção editado pelo ente federativo anterior à implantação ou à expansão do empreendimento econômico. Esse ato deverá estabelecer expressamente as condições e contrapartidas a serem observadas pela pessoa jurídica relativas à implantação ou à expansão do empreendimento. Ou seja, doravante será imprescindível um cuidado antes não existente na formalização das concessões de subvenções para investimento.

Também é relevante a previsão de que somente poderão ser computadas as receitas relacionadas às despesas de depreciação, amortização ou exaustão ou de locação ou arrendamento de bens de capital, relativas à implantação ou expansão do empreendimento. Essa previsão poderá suscitar dúvidas na aplicação, para saber quando uma receita está relacionada a uma despesa, como a depreciação. Afora isso, o dispositivo reforça o problema do custo financeiro, pois primeiro a subvenção deverá ser recebida, segundo o contribuinte deverá fazer os investimentos na implantação ou expansão e somente quando as despesas de depreciação tiverem início é que o crédito fiscal poderá ser apurado. Portanto, haverá um longo período entre o recebimento e tributação da subvenção até o recebimento do crédito fiscal. De outro lado, essa regra não será aplicável na hipótese de subvenção relacionada a bem não sujeito à depreciação, amortização ou exaustão.

O prazo para ressarcimento foi reduzido de absurdos 48 meses, originariamente contidos na MP 1.185, para ainda longuíssimos 24 meses.

É de se notar que nem a MP, nem a Lei, trazem regras específicas sobre benefícios de ICMS na forma de créditos presumidos de ICMS, que o STJ decidiu não poderem ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL em razão do princípio federativo. A lei ora aprovada não se sobrepõe à decisão do Tribunal e, portanto, os créditos presumidos de ICMS, desde que sob proteção judicial, não podem ser tributados. Contudo, deve-se ter consciência que a posição do STJ ainda não pode ser considerada definitiva (inclusive há risco de o STF decidir analisar esse tema).

A grande inovação na lei, em comparação com a MP, foi a previsão de tratamento de débitos anteriores relativos ao assunto de subvenções e tributação de benefícios de ICMS. Débitos tributários, inscritos ou não em dívida ativa, e mesmo os ainda não lançados, poderão ser objeto de transação tributária, com benefícios relevantes. Para o pagamento em menor prazo, deve ser pago em 12 meses o valor da dívida consolidada, com redução de 80%. Essa transação deverá ser proposta pelo Ministro da Fazenda, quando maiores detalhes deverão ser previstos, como a confirmação de que o desconto envolve inclusive o valor dos próprios tributos e como serão tratados eventuais valores em depósito judicial.

A adesão à transação tem a desvantagem de implicar a conformação do contribuinte ao novo regime legal das subvenções, estabelecido na Lei nº 14.789. Trata-se de dispositivo de questionável constitucionalidade, pois envolve a renúncia à apreciação pelo Poder Judiciário de uma nova norma (art. 5º, XXXV, da CF/88). No entanto, inicialmente não recomendamos a adesão à transação na expectativa de questionar o novo regime.

Tal como na MP, foram revogados o art. 30 da Lei nº 12.973/2014 e os dispositivos das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003, que excluíam da base de cálculo do PIS/COFINS os valores de subvenções para investimento.

Esse novo regime já começou a valer em 1º/01/2024.

Em 02/01/2024 foi publicada a Instrução Normativa RFB nº 2.170, de 29/12/2023. Ela quase se limita a repetir o que já consta na Lei nº 14.789. Destaca-se a previsão de que, mesmo que a empresa seja habilitada pelo transcurso do prazo de 30 dias, a habilitação poderá ser cancelada se for constatado, depois da habilitação, que a empresa não atendia os requisitos. Essa previsão praticamente anula a habilitação por transcurso de prazo constante da lei e pode ser questionada, por falta de amparo legal.

O novo regime é passível de questionamento por algumas razões. Em primeiro lugar, quando envolvido o benefício do crédito presumido (ou benefícios que impliquem a renúncia definitiva de recursos pelos Estados), devido ao posicionamento do STJ. Em segundo lugar, porque, conforme doutrina clássica, a subvenção para investimento não tem a natureza de renda e sua tributação pelo IR contraria a Constituição e o CTN. É igualmente possível sustentar que os §§ 4º e 5º da Lei nº 12.973/2014 acrescentados pela Lei Complementa nº 160/2017 têm natureza não só formal, mas também substancial de lei complementar, por cuidarem de conflito federativo (a possibilidade de um ente da Federação tributar benefício tributário concedido por outro ente). Por fim, no caso de se tratar de real subvenção para investimento, em que um ente da Federação renuncia a receita pública em favor de uma empresa tendo como contrapartida a exigência de investimentos, a tributação pela União Federal ofende os pressupostos básicos da Federação, pois a União prejudicará a política pública de outro ente federativo.

De qualquer modo, essas radicais alterações no regime tributário das subvenções para investimento e na tributação pela União Federal de benefícios de ICMS concedidos pelos Estados exigem a cuidadosa reflexão por parte das empresas de como agir a partir de agora.

A situação particular de cada contribuinte deverá ser considerada. Por exemplo: (a) como devem ser tratados os processos judiciais em curso, (b) a conveniência de discutir o novo regime e perspectivas frente ao caso concreto, (c) a necessidade ou não de ingresso de nova ação judicial, (d) os eventuais ganhos com o ingresso na transação tributária especial, (e) o que ocorrerá com depósitos judiciais na hipótese da transação, (f) questões temporais do novo regime frente a benefícios/subvenções antigas, (g) como o crédito será calculado e com base em quais receitas. Enfim, são vários os aspectos a serem considerados. Uma resposta genérica, desatenta às peculiaridades de cada caso, deve ser evitada.

Como antes observado, a Lei nº 14.789 ainda trata de outros temas. O principal deles é o relativo a juros sobre capital próprio – JCP, inclusão de tema parcialmente estranho ao contexto da MP.

De pronto, destaque-se que não foi adiante o plano inicial do Executivo de revogar os JCP. Tampouco foi vedado o pagamento de JCP em um ano calculado com base em dados de ano anterior (os chamados impropriamente de “JCP retroativos”).

De outro lado, foram excluídas da base de cálculo dos JCP as reservas de lucros de incentivo fiscal, formadas com os valores recebidos de subvenções para investimento ou de benefícios de ICMS tratados como esse tipo de subvenção (por força da LC 160). Daqui para frente, portanto, os cálculos dos JCP deverão excluir essa conta do grupo do patrimônio líquido. Há interessantes questões de natureza intertemporal, sobre a possibilidade de deduzir a partir de 2024 JCP calculados com base em dados de anos anteriores. Por exemplo, se poderia ser levada em consideração a conta de reserva de lucros de incentivo fiscal, já que a legislação vigente na época da base considerada permitir a inclusão desse tipo de reserva.

Afora isso, (a) a conta de capital só pode ser considerada se o capital já tiver sido integralizado e (b) não serão consideradas as variações positivas no PL decorrentes de atos societários entre partes dependentes que não envolvam efetivo ingresso de ativos na pessoa jurídica.

Enfim, a Lei nº 14.789/2023 é uma radical mudança em relação ao regime antes existente e sua aplicação a cada caso concreto deve ser analisada cuidadosamente em função das peculiaridades existentes, seja para decidir quanto a eventual ação judicial em trâmite, seja quanto à conveniência de nova discussão judicial, seja para sua simples aplicação correta.

A Advocacia Lunardelli está à disposição em caso de dúvidas e para auxiliar no que for possível.

Atenciosamente,

Jimir Doniak Jr.

Sócio – Tributos Diretos

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