Supremo definirá atuação do Ministério Público em crimes tributários

31 de janeiro de 2022

Importante julgamento pautado para o mês de março merece atenção especial por parte dos contribuintes.

O Supremo Tribunal Federal incluiu em pauta de julgamento do dia 10/03/2022 a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.980 proposta pelo Ministério Público Federal, que busca em breve resumo a declaração de inconstitucionalidade do artigo 83 da Lei nº 9.430/96.

Caso o dispositivo seja declarado inconstitucional, poderá ensejar um sem-número de representações fiscais para fins penais visando a cobrança de tributos cuja constituição definitiva ainda pende de decisão final em processo administrativo.

Referido dispositivo, condiciona a representação fiscal para fins penais, relativa aos crimes previstos no artigo 1º da Lei nº 8.137/90 (Crimes Contra a Ordem Tributária) e os Crimes contra a Previdência Social artigos 168-A (Apropriação Indébita Previdenciária) e 337-A (Sonegação de Contribuições Previdenciária) ao término do processo administrativo de lançamento do tributo.

A mencionada ADI sustenta a inconstitucionalidade do artigo 83 da Lei nº 9.430/90 com redação dada pela Medida Provisória nº 497/2010 posteriormente convertida na Lei nº 12.350/10, pois violaria o artigo 62, caput e § 1°, inciso I, alínea “b”, da Carta Magna, argumentando que não haveria a urgência necessária para a edição da referida medida provisória, além de que seria indevida a sua utilização para disciplinar a matéria.

Sob esse aspecto, cabe ressaltar que o Supremo Tribunal Federal ao enfrentar o argumento lançado na ADI no tocante a constatação dos requisitos de relevância e urgência das medidas provisórias, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, tem entendido que a intervenção do Poder Judiciário nesses casos, somente é possível em caráter excepcional e quando verificada em análise objetiva abuso manifesto cometido pelo Presidente da República[1].

Cabe destacar ainda, que o Supremo Tribunal Federal ao analisar o preenchimento os requisitos exigidos pelo artigo 62 da Constituição Federal, muito embora não se trate de posicionamento uníssono, tem entendimento que a conversão em lei de medida provisória questionada em sede de ação direta de inconstitucionalidade prejudica o exame acerca da observância dos requisitos impostos pelo artigo 62, caput, da Constituição[2].

Um segundo argumento levantado na famigerada ADI, consiste no fato de que a Medida Provisória nº 497/10, posteriormente convertida na Lei nº 12.350/10 que deu nova redação ao artigo 83 da Lei nº 9.430/96 seria inconstitucional por ofender a alínea “a” do inciso I do artigo 62 da Constituição, que veda a edição de Medida Provisória para tratar de matéria penal.

Entretanto, o fundamento levantado parte de premissa equivocada, vejamos.

O artigo 83 da Lei nº 9.430/96, ao condicionar o encerramento do processo administrativo tributário para o envio da representação fiscal para fins penais ao Ministério Público, não trata de direito penal, mas sim, de direito administrativo.

Note-se que o comando da norma estabelece conduta a ser observada pelos funcionários da Receita Federal do Brasil, não havendo qualquer correlação com direito penal.

Aqui cabe o destaque de que o dispositivo mencionado já foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.571 que corroborou justamente o entendimento de que a redação do artigo nº 83 da Lei nº 9.430/96 destina-se aos funcionários da RFB, conforme ementa que abaixo se transcreve:

“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 83 da Lei no 9.430, de 27.12.1996.  3. Argüição de violação ao art. 129, I da Constituição. Notitia criminis condicionada “à decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário”. 4. A norma impugnada tem como destinatários os agentes fiscais, em nada afetando a atuação do Ministério Público. É obrigatória, para a autoridade fiscal, a remessa da notitia criminis ao Ministério Público.  5. Decisão que não afeta orientação fixada no HC 81.611. Crime de resultado. Antes de constituído definitivamente o crédito tributário não há justa causa para a ação penal. O Ministério Público pode, entretanto, oferecer denúncia independentemente da comunicação, dita “representação tributária”, se, por outros meios, tem conhecimento do lançamento definitivo. 6. Não configurada qualquer limitação à atuação do Ministério Público para propositura da ação penal pública pela prática de crimes contra a ordem tributária.  7. Improcedência da ação” (ADI 1571 / UF – UNIÃO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. GILMAR MENDES Julgamento: 10/12/2003 Publicação:  30/04/2004)”

O precedente acima evidencia que a discussão não é nova na Corte, isto porque o ponto fulcral da discussão, qual seja, o encerramento do contencioso administrativo para envio da representação fiscal para fins penais, consta da redação do dispositivo desde sua gênese em 1996, conforme quadro abaixo:

“Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. (Redação Original).

Art. 83.  A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010)

Nesse sentido, a Advocacia Geral da União manifestou-se nos autos da ADI 4980 postulando a improcedência da ação com a declaração de constitucionalidade do artigo 83 da Lei nº 9.430/96. Em sentido contrário, a Procuradoria Geral da República manifestou-se pela procedência da ação com a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo.

O segundo fundamento da ADI, consiste na alegação de inconstitucionalidade do dispositivo atacado tendo em vista que os crimes formais, prescindem do exaurimento da constituição do crédito tributário, e subsidiariamente que seja dada interpretação ao dispositivo mencionado, para declarar que os crimes formais, sobretudo o de apropriação indébita previdenciária, consumam-se independente do encerramento do contencioso administrativo.

No direito penal, a doutrina classifica os crimes em materiais e formais.

Nos crimes materiais ou de resultado “descreve a conduta cujo resultado integra o próprio tipo penal, isto é, para a sua consumação é indispensável a produção de um resultado separado do comportamento que o precede. O fato típico se compõe da conduta humana e da modificação do mundo exterior por ela operada. O resultado material que integra a descrição típica pode ser tanto de dano como de perigo concreto para o bem jurídico protegido.[3]

Já nos crimes formais, “também descreve um resultado, que, contudo, não precisa verificar-se para ocorrer a consumação. Basta a ação do agente e a vontade de concretizá-lo, configuradoras do dano potencial, isto é, do eventus periculi (ameaça, a injúria verbal).[4]

De fato, o que pretende o Ministério Público, é a classificação dos tipos penais elencados no artigo 83 da Lei nº 9.430/96, como crimes formais, que, como vimos, independem da produção de um resultado para sua consumação.

Caso seja esse o entendimento da Suprema Corte, o simples inadimplemento da obrigação tributária ensejaria o início da persecução penal por parte do Ministério Público, independentemente do lançamento do tributo na esfera administrativa.

Importante destacar que o Supremo Tribunal Federal, ao analisar a matéria, firmou a Súmula Vinculante nº 24 em fevereiro de 2010 que determinou o lançamento definitivo do tributo como termo inicial para a tipificação dos crimes materiais contra a ordem tributária[5].

O tema é de fato nebuloso e o julgamento merece muita atenção, pois dará a tônica da atuação Estatal tanto na esfera tributária, quanto na esfera criminal, com significativo impacto para as empresas.

A advocacia Lunardelli está a inteira disposição para esclarecimentos adicionais que se apresentarem oportunos.

 

Atenciosamente

Marcelo dos Santos Scalambrini

Coordenador – Contribuições Previdenciárias

 

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[1] (ADI nº 2150, Relator: Ministro limar Galvão, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 11/09/2002, Publicação em 29/11/2002).

 (ADI nº 1717 MC, Relator: Ministro Sydney Sanches, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em: 22/09/1999, Publicação em: 25/02/2000).

 [2] (ADI nº 1976, Relator: Ministro Joaquim Barbosa, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 28/03/2007, Publicação em 18/05/2007);

(ADI n° 1721, Relator: Ministro Carlos Britto, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 11/10/2006, Publicação em 29/06/2007).

[3] Bitencourt, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, 2012 Ed. Saraiva.

[4] Bitencourt, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, 2012 Ed. Saraiva.

[5]Súmula vinculante 24 : Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

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