Tributação de offshores e fundos fechados – Lei nº 14.754/2023

14 de dezembro de 2023

Foi publicada a Lei nº 14.754, que dispõe sobre a tributação de aplicações em fundos de investimentos no País e da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e “trusts” no exterior. Trata-se de norma que foi bastante discutida no Congresso Nacional e objeto de muitas matérias nos veículos de comunicação nos últimos meses.

Os dois pontos principais são a tributação de controladas no exterior por pessoa física e a tributação de fundos de investimento fechados no Brasil. Nesses dois casos a tributação passa a se dar periodicamente, mesmo sem a distribuição de lucro ou resgate do fundo.

A norma é extensa, com muitos detalhes. Não cabe, no limite deste Informativo, pretender tratar de tudo. O objetivo, aqui, é somente destacar os pontos principais, os quais são os seguintes:

– O contribuinte pessoa física com investimentos no exterior tributará, no ajuste anual, à alíquota de 15%, os rendimentos nas modalidades de aplicações financeiras e de lucros e dividendos de entidades controladas.

– Entre os rendimentos mencionados estão aqueles decorrentes de aplicações financeiras, exemplificativamente depósitos bancários remunerados, cotas de fundos de investimento e títulos de renda fixa e de renda variável. Percebe-se, então, que no lugar da tributação do momento do recebimento de cada rendimento, a tributação passará a acontecer um vez por ano.

– Os lucros apurados por algumas entidades no exterior controladas por pessoas físicas no exterior serão tributados em 31/12 de cada ano e não mais somente quando transferidos/pagos a essas pessoas físicas, como ocorre até hoje. Submetem-se a esse regime tributário somente as controladas (diretas ou indiretas) que (a) ou estejam localizadas em país ou dependência com tributação favorecida ou beneficiárias de regime fiscal privilegiado, (b) ou que apurem renda ativa própria inferior a 60% da renda total (renda ativa própria é aquela obtida diretamente pela entidade controlada mediante exploração de atividade econômica própria, excluída receitas como “royalties”, juros e aluguéis).

– De outro lado e nos termos do art. 6º, a tributação no Brasil persistirá somente no momento da efetiva disponibilização para a pessoa física residente no País (tal como uma aplicação financeira) em dois casos: (i) os lucros apurados até 31/12/2023 pelas controladas no exterior e (ii) os lucros apurados a partir de 1º/01/2024 pelas controladas no exterior que não se enquadrarem nas hipóteses do item anterior (ou seja, localização antes indicada ou renda ativa própria inferior a 60%).

– Os lucros das controladas aqui tratadas deverão ser apurados em balanços anuais com observância dos padrões internacionais de contabilidade (IFRS) ou dos padrões contábeis brasileiros, caso localizada em país ou dependência com tributação favorecida ou beneficiária de regime fiscal privilegiado. Com isso, há a possibilidade de tributação de ganhos ainda não disponíveis, por exemplo, registrados em função da cotação a mercado de ativos financeiros.

– Existe a alternativa do regime de tributação das controladas, que busca evitar o efeito antes apontado. Seria declarar os bens, direitos e obrigações detidos pela entidade estrangeira controlada (direta ou indireta) como se fossem detidos diretamente pela pessoa física. Ou seja, seria como se a entidade estrangeira não existisse (tratamento tributário de transparência da PJ no exterior). Essa escolha será irrevogável e irretratável e, por isso, deverá ser bem refletida. Trata-se de importante decisão que as pessoas físicas brasileiras, acionistas de pessoas jurídicas no exterior alcançadas pela nova lei, deverão adotar.

– A Lei nº 14.754/2023 também estabelece o tratamento tributário de “trusts” constituídos no exterior. Para fins tributários, no Brasil, os bens e direitos objeto do “trust” permanecerão sob titularidade do instituidor após a instituição do “trust”. Eles passarão à titularidade do beneficiário no momento da distribuição pelo “trust”, ou do falecimento do instituidor, ou na abdicação em caráter irrevogável do direito sobre parcela do patrimônio do “trust”.

– Nos termos do art. 14, a pessoa física residente no Brasil poderá optar por atualizar o valor dos bens e direitos no exterior informados na sua declaração de IR (DAA) para o valor de mercado em 31/12/2023 e tributar a diferença para o custo de aquisição à alíquota definitiva de 8%. O imposto então devido deverá ser pago até 31/05/2024. Como se vê, trata-se de tributação com encargo menor, mais benéfico. Todavia, implicará a tributação no próximo ano de valores que só seriam tributados no futuro, quando da efetiva realização. É outra decisão importante a ser adotada pelos investidores, que deve levar em consideração a situação específica de cada um.

– A outra parte relevante da Lei nº 14.754/2023 diz respeito às alterações na tributação de fundos de investimento no Brasil. A grande novidade nesta parte é a mudança para fundos fechados, que passam a ser tributados periodicamente, tal como os fundos abertos, e não somente quando da distribuição de rendimentos ao investidor.

– A tributação se dá sob a alíquota de 15% como regra (existindo hipótese de tributação a 20%, para fundos de curto prazo) no regime chamado de “come-cotas”, no último dia útil dos meses de maio e de novembro ou na data de distribuição de dividendos, da amortização ou do resgate de cotas (art. 17, I e II, §1º). Esse tratamento abrange todos os fundos de investimento constituídos sob a forma de condomínio aberto ou fechado, ressalvadas algumas hipóteses.

– Entre os fundos que não terão seus rendimentos tributados nessa sistemática (se atendidos requisitos), mas somente quando do resgate, estão os fundos de investimento em participações (FIP), em índice de mercado (com exceção dos ETFs de renda fixa), em direitos creditórios (FIDC), em ações (FIA), FIAGRO, FII.

– A partir do art. 27 estão previstas regras de transição. Os rendimentos apurados até 31/12/2023 em aplicações não submetidas à tributação periódica (os fundos fechados) serão apropriados “pro rata tempore” até 31/12/2023 e ficarão submetidos à alíquota de 15%. Esses rendimentos corresponderão à diferença positiva entre o valor patrimonial da cota em 31/12/2023 e o custo de aquisição. O imposto, então, deverá ser retido pelo administrador do fundo e recolhido à vista até 31/05/2024. Todavia, o imposto poderá ser recolhido em até 24 parcelas mensais e sucessivas, com pagamento da primeira parcela até 31/05/2024.

– O art. 28 traz a alternativa de pagar o IRF à alíquota de 8% em duas etapas: (i) na primeira, pagamento do imposto sobre os rendimentos apurados até 30/11/2023 e, (ii) na segunda, pagamento do imposto sobre os rendimentos apurados de 1º/12/2023 a 31/12/2023. O imposto da primeira etapa deve ser recolhido em 4 parcelas, com vencimentos em 29/12/2023, 31/01/2024, 29/02/2024 e 29/03/2024. É outra decisão a ser ponderada por aqueles atingidos pela nova regra. Aqui, a decisão passa por se submeter a esse novo tratamento e com alíquota mais reduzida, antecipando um pouco a tributação, ou optar por eventual questionamento judicial, pelas razões resumidamente postas a seguir.

Como antes observado, a matéria toda é complexa e o novo tratamento tributário tem muitos detalhes, aqui não tratados.

Importante consignar, como adiantado, que esse novo regime poderá ter resistência, por meio de questionamento judicial de contribuintes. Isso porque o art. 43 do Código Tributário Nacional autoriza a tributação da “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica” da renda. Há argumentos consistentes para sustentar a inexistência de disponibilidade nos rendimentos apurados por fundos sem resgate, bem como nos lucros de sociedades estrangeiras sem a distribuição.

Afora isso, há outras questões, que não podem ser desconsideradas. Uma delas refere-se ao respeito a convenções contra dupla tributação. Algumas delas não autorizam a tributação de lucros auferidos por sociedades instaladas nos países com os quais o Brasil tem convenção.

Outra questão é o necessário respeito à irretroatividade e à anterioridade. No caso dos fundos fechados, pretende-se tributar os rendimentos auferidos no passado a partir de um regime jurídico-tributário novo. Realmente, até agora, os ganhos financeiros via fundos fechados eram tributados se ocorressem (1) o aumento de valor da cota do fundo (o fundo ter ganhos) e (2) o resgate com recebimento pelo cotista. Portanto, para a tributação era necessária a conjugação de duas hipóteses (dois requisitos). Agora visa-se tributar os ganhos passados bastando a hipótese (1). Cria-se uma obrigação presente em função de uma hipótese passada, quando até agora a hipótese para tributação era outra (mais complexa).

Ora, há a retroatividade não somente quando no presente é estabelecida uma obrigação passada, que antes não existia (p. ex.: o imposto deveria ter sido recolhido no passado), mas também quando no presente é estabelecida uma obrigação futura em razão de um fato passado (p. ex.: o imposto deverá ser recolhido no futuro devido a um fato do passado). Logo, a tributação dos rendimentos acumulados nos fundos fechados é juridicamente questionável. A decisão a respeito de eventual questionamento judicial, porém, deverá ser ponderada, pois representará dispensar o tratamento mais benéfico ora oferecido.

A Advocacia Lunardelli está à disposição para quaisquer esclarecimentos.

Atenciosamente,

Jimir Doniak Jr.

Sócio – Tributos Diretos

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